segunda-feira, 28 de abril de 2014

A tortura nunca termina

* Por Talis Andrade

1

Na escuridão do cárcere
não persiste a mínima
noção de tempo
A escuridão prolonga
um suplício
que nunca termina

Na escuridão do cárcere
o prisioneiro desconhece
quando os encapuzados
vão recomeçar o ritual
das místicas
sessões cívicas

Desconhece de onde vêm
os cruciantes gritos
se da cela vizinha
ou dos porões da mente

Gritos que não lhe deixam em paz
estouram os tímpanos
Pregos penetram o corpo
revificando os estigmas da crucificação
o sangue a coroa de espinhos os escarros

Os pungentes gritos
recordam os sermões
dos tempos de menino
O padre Nicolau
descrevia as estações
da via-crúcis
ameaçando com os tormentos
do inferno
O corpo aferroado
por tridentes em brasa
a carne torrificada
no castigo do fogo eterno
A capela exalava
malsinado cheiro
de carne queimada e enxofre
Por toda capela
o beatífico aroma
de incenso e cera
de círios acesos

2

O prisioneiro desconhece de onde vêm
os cruciantes gritos
se da cela vizinha
ou dos porões da mente

No terror implantado o preso não percebia
quando tudo era um macabro divertimento
o cruel vexatório brinquedo do gato com o rato
ou triste cenário de um banho de sangue
O real o imaginário se (con)fundiam
no surrealismo de uma guerra suja
Nos aviões prisioneiros avisados
de que seriam atirados em alto mar
aterrizavam humilhados por continuarem vivos
Carros os freios sabotados desabavam
no abismo
Corpos caiam no poço dos elevadores
Carros invisíveis atropelavam nas esquinas
Prisioneiros alinhados ao pé do muro viam
[a morte fugir
nos fuzilamentos com balas de festim
Prisioneiros eram trucidados
em uma simulação de fuga
ou simplesmente sumiam
Outros anunciados como mortos
retornavam lampeiros perambulando pelas ruas

3

A imprevisibilidade uma tortura
Os segundos sobressaltante eternidade
Os inquisidores não têm hora precisa
Os inquisidores podem chegar
[a qualquer instante

Os segundos se arrastam
Perde-se a noção
de quando dia
de quando noite
Não existe mês
no calendário da escuridão

Na angustiante espera
o prisioneiro sofre a tortura
de desconhecer
quando chegará a vez
de ser empurrado
pelos campos de sangue
para os subterrâneos da morte
os olhos vendados
para uma viagem sem volta


* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do “Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e “A República” (Natal). Tem 11 livros publicados, entre os quais o recém-lançado “Cavalos da Miragem” (Editora Livro Rápido).

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