quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Tendências tendenciosas

* Por Fernando Yanmar Narciso

Parafusos e engrenagens estão na moda novamente! Desde 2007, quando o primeiro filme dos Transformers foi lançado, Hollywood voltou a se apaixonar pela mecatrônica. Nos últimos anos, não houve um filme familiar que não envolvesse robôs gigantes, robôs humanoides, super-armaduras e ciborgues. Só no último verão norte-americano foram lançados quatro filmes do gênero, uns bons, outros medianos, e como não podia deixar de ser, alguns tão ruins que só podiam fazer sucesso.

Aproveitando o embalo, é claro que não podiam deixar de tentar ressuscitar o pai de todos os sucatões. Numa Detroit futurista, dominada por crime organizado, tecnologia e pelas grandes corporações, o detetive Alex Murphy é brutalmente mutilado por uma gangue e deixado à própria sorte. À parte disso, há um programa proposto pelas empresas OCP para substituir policiais e exércitos humanos por robôs autônomos. Apesar de a ideia ser exportada para todos os continentes, o povo norte-americano vê o programa com receio para o uso em seu próprio solo. Pois, como sabemos, eles não suportam ver a morte de norte-americanos coitadinhos e inocentes, já o sangue do resto do mundo lhes importa tanto um peido de mosca.

Por mais absurdo que pareça, eles chegam à conclusão que a única forma de amolecer o coração do Congresso é colocar um ser humano dentro de um robô, aí é que o destino de Murphy se cruza com a OCP. Ainda em coma profundo, eles convencem Clara, a mulher de Alex, que essa seria a única forma de trazê-lo de volta a esse mundo. Assim surgiu RoboCop, um dos grandes anti-heróis da década de 80.

Concebido em 1987 pelo “Holandês Voador” Paul Verhoeven, mesmo sendo um filme de ação de respeito, RoboCop era uma sátira cruel e virulenta do mundo corporativo, do abuso de poder e da maneira como os Estados Unidos- e, por extensão, a humanidade- glorifica a violência. Claro que o espectador médio não dá a mínima para esses detalhes e só quer ver a tela ser pintada de vermelho por uma hora e meia, e Verhoeven não teve o menor pudor quanto a isso. Sendo o filme de ação mais açougueiro até então, apenas Rambo 3 e Vingador do Futuro, este também do diretor holandês, conseguiram superar sua capacidade de chocar a audiência naquela década. A cena de Murphy sendo esquartejado a tiros por um mafioso sádico e todos os tiroteios do filme não perderam sua capacidade de causar desconforto após quase 30 anos de seu lançamento.

Mas aqui estamos em 2014, e a sensibilidade á violência extrema, pelo menos a do cidadão comum, tornou-se mais complexa. Num mundo onde os filmes de ação em sua maioria apresentam super-heróis politicamente corretos e sem sangue nas veias, como fazer para ressuscitar um dos filmes mais cruéis da história, sem torná-lo coisa para maricas? Entra em cena o brasileiro José Padilha, diretor dos dois mega-hits Tropa de Elite 1 e 2, em sua estreia hollywoodiana.

Conhecido por seus filmes reflexivos, escancarando a corrupção policial e política enquanto leva a audiência ao delírio com ação vertiginosa e linguagem chula a granel, sua contratação parecia um convite vindo do Monte Olimpo. Como a Hollywood de hoje não permite matadouros em filmes comerciais e tudo é planejado pensando primeiro na linha de brinquedos, a solução que Padilha encontrou foi seguir a rota da nova série de filmes do Batman, tornando o roteiro espalhafatoso e lunático do primeiro filme uma jornada introspectiva e moral, buscando o homem dentro da máquina e trazendo questionamentos mais enaltecedores, como a essência da humanidade e o conceito do livre arbítrio.

Murphy (aqui interpretado por Joel Kinnaman) não teve envolvimento na decisão de torná-lo um ciborgue, e mesmo tendo “salvo a vida” de seu marido, Clara (Abbie Cornish) sente uma culpa insuportável pela operação a que ele foi submetido, aspecto que quase não foi explorado no filme original. Assim que RoboCop abaixa seu visor, você descobre que, na visão de Padilha, a lata de sardinha ambulante é o próprio Capitão Nascimento. Em menos de 24 horas ele investiga, soluciona o caso do atentado que tirou sua vida, pega o mafioso que plantou a bomba em seu carro e, só de brinde, põe abaixo um esquema de corrupção dentro da delegacia de Detroit, ligado à mesma organização criminosa que proporcionou sua, digamos, experiência de quase morte. Papa essa, BOPE!

Os efeitos especiais do filme são espetaculares. Mesmo tendo uma versão atualizada da boa e velha armadura metálica do sucatão, a versão usada durante todo o filme é o “caveirão”, toda preta e feita de kevlar, novamente inspirada nos filmes do Cavaleiro das Trevas, aposto! A computação gráfica é sutil e assustadora. A imagem de RoboCop sendo desmontado peça por peça, revelando não mais que uma mão, órgãos internos, a cabeça e o cérebro exposto de Murphy me trará pesadelos para sempre...

Não me entendam mal, gostei muito dessa releitura. O problema do filme de Padilha é que ele tentou ser mais do que a mística do personagem permitia. Quem vai ver RoboCop espera ver um filme de ação estarrecedor, burro e sangrento, entretenimento fast-food em sua essência. Quem quiser pensar na condição humana que leia um livro! Foi exatamente isso, e a falta de selvageria, que decepcionou a maioria dos fãs do original. Mas, conhecendo Hollywood como a conhecemos, podem ter certeza que José Padilha não estará na sequência, e esta trará mais purê de corpos que numa fábrica de hambúrguer. Tomara que Murphy não se enferruje até lá.

*Designer e escritor. Sites:
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Um comentário:

  1. Parece-me pouco atraente, mas para quem gosta do gênero, parece bom. Vai encarar?

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