sábado, 22 de fevereiro de 2014

Marinheiro

* Por Urda Alice Klueger

Para J. G. B. de O.

Daqui deste promontório que se adianta e se eleva sobre as águas, eu tento divisar, lá no fim do horizonte do mar, os vestígios de algum navio que venha adentrar à baía onde vivo. Tão longe, o horizonte, tão perto! Longe por que já são anos e anos desde que o navio dobrou a sua curva e não voltou – tão perto porque as coisas do coração nunca ficam mais longe do que a distância de um sopro!

Meu amor se foi para os mares do norte, a pescar peixes gelados nas águas muito frias que rodeiam o pólo e aquelas terras de névoa que tanto lhe agradam, e eu tive que ficar. Teria ido junto de bom grado; mais: teria ido junto como uma exaltação, e teria usado as roupas impermeáveis como se fossem trajes de princesa, e ficado acordada nos quartos do navio, vigiando possíveis icebergs, sem esmorecer no sono, e teria ajudado a puxar as pesadas redes e trabalhado arduamente separando os arenques das algas magras das águas frias, quando a carga da pesca fosse espalhada no tombadilho escorregadio. Tudo seria uma festa junto com o meu amor, mas não permitem a bordo ninguém que não seja marinheiro ou pescador, e eu não passo de uma noiva.

Então, faz anos e anos que venho a este promontório espiar o horizonte, e espero. A cada ano feneço um pouco mais, e aumenta o ríctus de amargura em torno da minha boca, mas tudo faço para que a minha alma não crie o gosto amargo que têm estas plantas amargas que crescem misturadas ao capim, neste promontório onde o vento sul é como uma foice e nada permite crescer além das ervas rasteiras. Lá, lá onde é o fim do horizonte, lá um dia vai surgir de novo aquele navio, e quero estar perfumada e de vestido engomado e bem passado esperando meu amor no trapiche da baía, quando ele desembarcar, para poder inclinar-me com dignidade, beijar sua mão e lhe dizer, eu toda em júbilo:
- Meu senhor...

Um dia tal dia virá, e mesmo fenecida e já com menos forças, quero ser tudo para o meu amor: o descanso, o aconchego, o abrigo, a proteção, o deleite – tudo o que ele não está tendo lá naqueles mares frios, onde ele aporta a portos frios para os raros dias de folga, e então se consola com os amores venais que sempre existem para os marinheiros de terras longínquas, pois todos sabem como sempre existem amores venais em cada porto.

Um dia terá passado tal tempo, no entanto, e então acolherei o meu amor e meu senhor no abrigo do meu peito e dos meus braços – pois no coração sempre está - e ele terá a calidez de todas as brisas de primavera e a fragrância das maresias vindas de um mar de gordas algas e de conchas de madrepérola, e tudo farei pelo resto da vida para que nunca mais sinta frio, nem no corpo, nem no coração, nem nas emoções que tantas vezes tiveram que ser venais, pois era o que era possível.

Então aguardo na pequena baía de onde um dia o navio partiu, e a cada tarde subo a este promontório e fico a espiar o horizonte, e sei que um dia ele se cansará da difícil vida de marinheiro de mares gelados, e voltará aqui ao seu porto seguro, onde, todos os dias engomo e passo a ferro um vestido bem bonito, e cultivo meu jardim para que ele sempre esteja cheio de borboletas.[1]

Por ora, sou apenas uma noiva que espera.

Blumenau, 10 de junho de 2008.

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR


Um comentário:

  1. Uma exaltação ao ato de esperar, sem esmorecer e sem reduzir o amor e a esperança de felicidade. Destaco muitas passagens, mas especialmente "pois era o que era possível", "um dia tal dia virá", e a delícia "não permitem a bordo ninguém que não seja marinheiro ou pescador, e eu não passo de uma noiva".

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