quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

A gravidez enforca

* Por Mara Narciso

A sociedade tem a corda opressora da maternidade que aperta o pescoço da mulher sem ela se dar conta disso com exatidão. Faz a sua cartilha, e mulheres independentes, casadas e com suas vidas sociais, afetivas e profissionais sanadas, se veem contra a parede para viver conforme lhes foi determinado. Abriu o livro, agora leia! O motivo de não quererem ser mães, é pecado inconfessável, e se ainda assim, num último minuto, resolverem sê-lo, será preciso enfrentar a análise dos outros e as suas próprias, pois lhes foi incutido que “ser mãe é padecer no paraíso”.

Duas mulheres conversam:
- Estou grávida!
- Fiquei sabendo.
- Não estou bem.
- São os enjôos?
- Não.  Não estou sentindo aquela alegria que deveria ter por estar grávida.
- Mas você não tem obrigação de sentir isso, só porque acham que deva sentir.

A mulher grávida, mais jovem que a outra, que já tem filho adulto, deixa escapar uma lágrima, ou duas. E continua falando, suspirosa:
- Eu esperei dezessete anos por isso. E agora não sei o que fazer.
- Quando há um casamento feliz, fica parecendo que não haverá lugar para o filho. A harmonia está estabelecida em tal ordem, que o espaço mostra-se totalmente ocupado. Mas a criança chega e afasta um prá lá e o outro para cá, e assume o centro do mundo. E a gente ama loucamente essa criatura que chega.
- Eu não sei se vai ser assim não - refuta a jovem, chorando mais ainda.
- A sociedade exige esse amor, mas você tem o direito de sentir o que quiser. O amor retumbante não é automático. Ouvir cornetas de regozijo não é a norma, embora cobrado. Pode acontecer ou não. O importante é que não se culpe, caso o amor venha devagar, sem paixão. É seu direito. Não pode é sentir-se mal por isso, por não amar a gravidez.
- Eu não estou feliz, mas eu escolhi isso. Parei com o anticoncepcional, pensando que demoraria um pouco e no mês seguinte já estava gestante.
- Nem todas se sentem bem em ter uma pessoa dentro da barriga. É uma situação muito delicada. Muda tudo, o corpo, as emoções sob efeito de um monte de hormônios novos que a placenta produz. A mulher fica mais sensível, emotiva, chora sem razão. Para quem sempre foi forte, resoluta, de uma hora para outra ficar frágil é um problema.
- Tenho medo. Sinto-me presa, e a criança ainda nem chegou. Quando chegar então, vou enlouquecer. Acho que estou caminhando para uma depressão. Ainda não estou pronta para comprar nada para ela. Parece que estou ameaçada.
- É natural que esteja assim. O desconhecido assusta, amedronta. Isso se deve ao fato de a sua mãe ter tido muitos filhos e ter passado boa parte da vida grávida.
- Minha mãe sofreu muito, você sabe, ela teve dezesseis filhos. Isso deve ter influência em me assustar. Eu fui a penúltima. Na verdade, parece que eu nunca quis ser mãe, mas, agora, quando faço 35 anos, era preciso me decidir. Seria agora ou nunca mais.
- A sociedade faz suas apostas e cobranças. Parte do princípio que a mulher, por definição, tem instinto materno exuberante e quando alguma sai do gráfico, sente-se e age diferente, é tempo para as críticas. É preciso libertar-se disso. Ignorar essas cobranças. Não siga nenhum script. Faça o que quiser, sinta o que der na telha. Não se sinta acuada e com necessidade de comportar-se seguindo a expectativa dos outros. Já é uma carga muito grande carregar outra pessoa dentro da barriga por nove meses, ainda mais tendo de agradar aos outros. Você pode odiar estar grávida, situação esta que muitas acham, mas poucas têm a coragem de se manifestar, e ainda assim ser uma boa mãe, e até ser louca pelo filho. No entanto, se, quando chegar a hora, não sentir nada disso, ainda assim, palmas para você. Fez o que conseguiu fazer. E já está bom.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



4 comentários:

  1. Concordo, a maternidade não é atestado de felicidade
    é uma responsabilidade a mais, é um ser pra vida toda.
    Mania que a gente tem que apostar as fichas no outro.
    Infelizmente a sociedade cobra e a gente se permite a essa cobrança.

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    1. Verdade, Núbia. A menor manifestação de desconforto por estar grávida, faz com que os outros, e especialmente as outras, lancem pedras sem dó nem piedade.

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  2. Aí entram mil questões em conflito, inclusive o direito ao aborto - dilema ético e religioso dos mais escabrosos. Ótima reflexão, Mara. Abraços.

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  3. No caso, Marcelo, abordei apenas o caso de gravidez escolhida e programada. A mulher em questão, quer o filho, mas não quer a gravidez. O aborto é outra vertente mais do que polêmica, mas que também precisa ser pensada e refletida. Obrigada pela passagem e comentário.

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