segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Mais salgado que o mar


* Por Daniel Santos

Aconteceu durante o banho. Ele passava o sabonete na axila, quando sentiu o caroço – um caroço quase do tamanho de um ovo, o mesmo que o pai e, antes do pai, o avô e o bisavô descobriram, um dia.

Foi como se recebesse telegrama de muito longe com o aviso do fim de um prazo ou como se o telefone tocasse de madrugada para revelar uma dessas tragédias para as quais nunca estamos preparados. E ruímos.

E, então, ali debaixo do chuveiro, deu com as costas nos azulejos e deixou-se escorregar até o piso, até a proximidade do ralo que parecia convocá-lo à nulidade, para onde seguiria sozinho, quisesse ou não.

Tudo previsível, e ainda assim paralisava-se perplexo. O que ocorrera aos outros transformara-se em histórias, mas o seu caso era real. O caroço lhe metia medo por encerrar um medonho vaticínio: destino.

Desceu do prédio, venceu uma quadra e alcançou a praia. Quanta água! – o suficiente para lhe diluir o caroço. No aguardo da cura, deixava-se esbater pelas marolas e chorava baixinho, mais salgado que o mar.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.



Um comentário: