quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

A favor da independência feminina

* Por Mara Narciso

Tive uma amiga que foi minha fonte de inspiração para toda a vida. Tive, porque a perdi. Nasceu em 1920, e aos 13 anos trabalhava num escritório de contabilidade. Pasmem, era o ano de 1933, a minha mãe nem tinha nascido e ela já trabalhava em uma área tida, ainda hoje, como masculina. Os números atraem poucas mulheres, mas ela estava lá. O seu pioneirismo serviu para desbravar uma estrada difícil para nós que viríamos a seguir. Foi profissional brilhante, casou-se, teve quatro filhos, separou-se, venceu. Seu nome? Ismar Ferreira, grande mulher que perdi em 19 de junho de 2010, pouco antes dos seus 90 anos.

A minha mãe, Milena Narciso, formou-se em medicina aos 40 anos em 1974. Naquela época, ainda se formavam poucas mulheres na área médica. A revolução sexual já andava longe, mas ela era submetida à pressão masculina da qual, apenas muito depois, conseguiu se desvencilhar. Foi outra mulher que deu força às suas contemporâneas e descendentes. Dia 28 de janeiro completa-se 11 anos que ela partiu.

O que nos restou, mulheres nascidas na segunda metade do século passado? Quando a situação aperta, lembramos em como as nossas avós foram felizes em suas medíocres vidas, entre a cama e o fogão. Precisavam servir, atender e obedecer aos seus maridos infieis, estar grávidas por quase todo o tempo da juventude, que poderia ir dos 15 aos 45 anos, e gerar de 10 a 20 filhos, às vezes mais, como minha bisavó Florisbela de Souza Lima que teve 24 filhos. O grande problema era ter força física para lavar, passar, arrumar, cozinhar, costurar, olhar um monte de menino, amamentar, e algumas também cuidar da roça. No geral, era preciso suportar a indiferença e infidelidade do marido, fatos institucionalizados. Eram desconsideradas como pessoas pensantes.

A mulher de hoje é livre, autônoma e independente, mas nem sempre respeitada em sua individualidade. Quando se fala em Dia Internacional da Mulher, que eu detesto, ou Delegacia da Mulher, se pensa que homenagens e proteção adicional poderiam ser desnecessárias para a mulher atual, dona da sua vida e do seu destino. Mas, não são. As casadas, mesmo que neguem, precisam passar pelo crivo dos seus maridos, em vários aspectos, especialmente do ponto de vista profissional, senão o casamento acaba. As divorciadas, mesmo as independentes financeiramente, como boa parte delas realmente é, acabam, mesmo sem permitirem, sendo sabatinadas e julgadas por amigas e parentes nas suas decisões e ações. Cortam amarras a facões, mas continuam ligadas ao veto, à crítica, ainda que protestem, não levem em conta e desprezem tais opiniões. No final continuam sentindo-se analisadas e de alguma forma conduzidas por quem acha que é de direito opinar.

Quem conta uma história pessoal, abre a guarda e, indiretamente pede palpite. As pessoas comuns dão suas opiniões e fazem suas restrições, mesmo quando não solicitadas. Então as amizades azedam. Nesse particular, mesmo nas grandes cidades o cerco continua mais suave em relação aos homens. Julgamentos quanto à aparência física, trabalho, condutas sociais ou sexuais são mais benevolentes com o gênero masculino. Dificilmente se exige do homem alguns cuidados físicos, além da higiene. O cabelo branco, a flacidez, a barriga grande, a ruga, são tradicionalmente mais tolerados no homem que na mulher. Pouco se diz se um homem troca constantemente de namorada. Ter prejuízo financeiro para a mulher foi burrice, para o homem foi contingência. A mulher, mesmo a discreta, por mais que sapateie, terá sua vida devassada, analisada, comentada, principalmente pelas outras mulheres. Nesse detalhe, as redes sociais escancararam a vida de todos. Não quer se mostrar – e boa parte quer - então não crie um perfil, pois, num clique se pode saber muito mais do que você quer deixar ver. As ideias, conexões, imagens, o que é comentado, os temas que lhe despertam maior interesse, levam o outro a deduzir coisas, criar uma imagem que pode não ser a que você gostaria que circulasse. Ainda que repita o mantra “eu não estou nem aí para nada”, está sim. Então, por que se exaspera diante de uma reles opinião oposta a sua, a ponto de deletar e bloquear um contato? Pessoas, que tal crescer?

Ao homem ainda se permite mais liberdade do que à mulher, por mais que as jovens e mais modernas neguem. Não, não quero ser como os homens. Quero ser mulher feminina, forte, resistente, que possa chorar quando a dor for grande, e, principalmente quero ser livre para as tomadas de decisões. Quero ser autônoma, estudar e aprender, errar e acertar, trabalhar e vencer, ser mãe, amar, ser feliz e infeliz, e nunca ter de me arrepender de nada, nem por ter sido, nem por ter feito, muito menos por ter quebrado a cara, pois quebrar a cara também é viver. E o mais importante, que eu não precise ter alguém ao meu lado para ser respeitada. Estar só pode ser uma opção, e não uma declaração de incompetência. Ao homem, isso nunca é cobrado.

O que não quero? Que se façam deduções baseadas em metade da verdade, pois a verdade é uma só, e é inteira.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



4 comentários:

  1. Lucidez feminina, em estilo direto e claro. Bravo, doutora.

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    1. Marcelo, fui pegando minhas impressões do mundo vida afora, e conclui que ainda há muito que melhorar. O que depende principalmente de nós mulheres. Obrigada, amigo, pela presença e elogio.

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  2. Parabéns Mara,pela maneira como expôs seu ponto de vista, também sou muito solidário à real independência feminina.

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    1. Agradecida, Anthero. Precisamos buscar com atitudes o respeito mais concreto ao gênero feminino.

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