terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Renascimento da luz

  
(Reproduzo, a título de editorial deste espaço, a crônica com o título acima, que escrevi e publiquei no Natal de 2003, que cabe a caráter neste espaço e nesta data)

O Natal é uma data que se presta a muita pieguice, a muita demagogia, a muita hipocrisia por parte de um número considerável de pessoas. Tornou-se, há muito, data fundamental para o comércio, para garantir boas vendas no fim de ano e fechar o balanço anual com lucros. Cristo deixou de ser seu personagem central, para ceder lugar a uma fantasiosa figura, criada pela lenda e pela imaginação, o "Papai Noel". Mas é também, para muita gente, um período especial de reflexão e, (por que não?), de alegria. É uma pausa benfazeja na luta cotidiana pela sobrevivência.

Para uns, é só uma festa, como outra qualquer, desculpa para se abusar da comida e da bebida. Estes encaram Natal, Ano Novo, Carnaval, Páscoa, etc, da mesmíssima maneira. São os insensatos que tentam, em vão, fugir de si próprios. Para outros, trata-se de um período de amargas recordações, principalmente para os que tiveram infâncias infelizes e são incapazes de se livrar de traumas e de lembranças espinhosas. Ou para os desamparados, os desempregados, os solitários e os que não têm o mínimo recurso para prover a própria subsistência com dignidade.

Há, é claro, os equilibrados. Os que aproveitam a data para agradecer a Deus, aos parentes, aos amigos e até aos inimigos por tudo o que de bom lhes aconteceu. E até pelas coisas ruins, que sempre têm um aspecto didático, o de nos ensinar a viver. Existem os solidários, os que se preocupam com o sofrimento do próximo, e visitam, nessas ocasiões, orfanatos, asilos, hospitais e prisões para levar um pouco de calor humano e de recursos materiais aos que necessitam. Estes não conseguem espaço na mídia e nem querem. E a maioria das pessoas sequer sabe que existem. Não fazem alarde da sua caridade e não buscam recompensa por ela, senão a advinda da satisfação de fazer alguém feliz. Sabem que se fizessem propaganda da sua generosidade, esta não seria genuína, mas mero investimento para lhes incensar a vaidade.

É comum, nas ocasiões de Natal, aparecerem indivíduos que assumem a postura de "palmatórias do mundo". Criticam e condenam, como se fossem os donos da verdade, os que festejam a data, (sobriamente ou não) sob o pretexto da existência de tanta criança abandonada nas ruas, de tantos lares desfeitos e infelizes, de tantas pessoas famintas e sem-teto e de tanta desgraça neste frágil Planeta. Estariam certos, se sua atitude não fosse mera demagogia. Carências, injustiças e distorções de fato existem e sempre existiram. Se continuarão existindo, depende da cabeça das gerações futuras. Estes críticos, no entanto, são os tais do "faça o que falo e não o que faço". Eles próprios promovem nababescas ceias, em que cometem toda a sorte de excessos, com a consciência acalmada (ou anestesiada) pelo simples fato de haverem "lembrado" dos carentes, dos humildes, dos deserdados da sorte, dos miseráveis e infelizes que pululam por aí.

Mas se algum desses pobres bater-lhes à porta, certamente os escorraçarão. Se alguma criança abandonada pedir-lhes um pedaço de carne, um copo de refrigerante, uma castanha seca que esteja sobrando em sua mesa, é possível que ameacem chamar a polícia para tirar a infeliz da frente de sua casa. É lícito, válido e correto que se festeje com alegria e moderação o Natal. Afinal, trata-se de uma festa de aniversário. Quem puder presentear os entes queridos, que o faça, mas como um ato de amor, e não como obrigação. E não é o valor pecuniário do presente que conta. É sua oportunidade. É a lembrança. É o espírito com que é dado. Quem não tem condições de dar nada, que não dê. Não deve fazer loucuras, a ponto de comprometer as finanças pelo restante do ano. Há infinitas formas de se mostrar estima por alguém que não seja a material. E amor não se compra.

Para os que podem e sentem no íntimo a necessidade de mostrar solidariedade com os necessitados, que o façam. A sensação de bem-estar que esse gesto lhes trará é enorme e não tem preço. Mais benefícios íntimos aufere quem dá do que quem recebe. Um conselho, uma orientação, uma informação, ou um simples gesto de compreensão não custam nada e muitas vezes podem salvar uma vida, modificar um destino, iluminar um caminho. Porque o Natal é, antes e acima de tudo, uma alegoria do renascimento da luz no mundo e, em especial, no coração dos homens de boa vontade.


Boa leitura.

O Editor.


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