quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O Yanmar que salvou o Natal

* Por Fernando Yanmar Narciso

Mesmo que não existam essas coisas no Brasil, quais são as primeiras imagens que costumam vir à mente no mês de dezembro? Telhados enfeitados com lâmpadas multicoloridas, bonecos de neve no jardim, criancinhas de casaco e cachecol cantando músicas natalinas de porta em porta, castanhas na lareira, patinação no gelo... Quer festa mais brasileira que o Natal? Quando se é criança o ano se divide basicamente em três fases: Ganhar brinquedo no aniversário, ganhar brinquedo no dia das crianças- Ou dia de Nossa Senhora Aparecida, se preferir- e ganhar brinquedo no Natal. Por nós ou elas, o ano podia ter só esses três dias e já tava bom demais.

A criança sabe que está deixando de ser criança quando começa a achar roupas e livros embaixo da árvore. “Ei, que história é essa? Cadê meu Lego? Meus Transformers? Meu Max Steel? Minha mansão da Barbie? Quem tá me sabotando nessa família? Livros de presente? Eu já passo nove meses com a cara metida neles, quem me deu esse livro de presente merece a guilhotina!”

Como não adorar o mês de dezembro? Pode não parecer, mas esse ser peçonhento e reclamão que vos fala não consegue se segurar diante da gôndola de panetones do supermercado ou dos embrulhos embaixo da árvore de natal, apesar de eu escrever artigos detonando as festas quase todo ano. O primeiro brinquedo que acho que toda criança ganha- ou ganhava, porque foram tirados de circulação pelo Inmetro- é aquele andador em formato de disco voador com quatro rodinhas, que o nenê pilota do meio.

No ano seguinte, os pais costumavam nos dar o Velotrol vermelho, de plástico oco e que fazia um barulhão quando passava pela calçada. Mas as ruas de hoje são tão perigosas que acho que os pirralhos ganham a primeira bicicleta só aos doze anos. Junto com as chaves de casa e o smartphone, que meio que mata aquele sentimento nostálgico de liberdade sobre duas rodas. Coisa comum em nossos tempos de moleque era ver a mini-gangue de arruaceiros do bairro descendo as ladeiras na manhã do dia 25 à bordo de bikes, skates, patins e, dependendo do esbanjamento da família, mobiletes ou carrinhos motorizados, tudo novinho.

Semana passada, rompi um de meus últimos elos com a infância. Aposentei nosso bom e velho pinheirinho, que adornava a casa desde 1995. Para uma criança de 11 anos ele era vistoso e enorme, com pouco mais de um metro e meio, mas conforme ficava mais velho me convencia a cada ano que, em vez de um pinheiro, ele mais lembrava uma escultura da Bienal de Artes feita com escovinhas de privada, e só depois de algumas doses de Domecq com gelo ela começava a lembrar vagamente um pinheiro.

Acreditam que consigo me lembrar de nossa primeira árvore? Já sabem que era um rei das “capetorias” quando criança. A hiperatividade transformava qualquer coisa em minhas mãos em armas de destruição em massa, até um floco de algodão. Portanto, mãe nem podia sonhar em montar uma árvore cheia de bolinhas de vidro e lampadinhas incandescentes. A solução foi comprar um pinheirinho pequeno que parecia um brinquedo, 100% em plástico, com bolinhas de isopor enroladas em linha, sinos, guirlandas, velinhas e Papais Noéis feitos de papel-cartão e purpurina, um joguinho de dez lâmpadas coloridas e, nunca me esqueço desse detalhe, duas carinhas de Papai Noel de plástico, brindes das bandejas de Danoninho. Pagaria qualquer preço por essas relíquias no Mercadolivre! E, mesmo com tanta precaução, os enfeitinhos viviam rasgados, mastigados e remendados com durex.

Em 93 minha mãe precisou fazer exames fora da cidade, e surgiu a ideia de eu viajar com minha avó, meus tios e primas para um acampamento militar em Carapebus, no Espírito Santo. Uma das grandes viagens de minha vida, desconsiderando um velho meio pedófilo que brincava com a gente no playground (Antes que perguntem, não era quem vocês estão pensando). Quão grande foi minha surpresa quando voltei para casa e vi a melhor árvore de natal de minha vida? Pai trouxe para a sala de estar uma árvore que ficava na varanda, enorme e muito parecida com um pinheiro. Os enfeites de papelão e isopor eram coisa do passado, agora era tudo novo, lindo, portentoso, cintilante... Digna de um Shopping Center de cidade do interior ou daqueles filmes natalinos cafonas americanos. A própria sarça em chamas da fábula de Moisés!

A última vez em que cri em Papai Noel foi aos cinco anos. A partir dos seis, já sabia bem de quem devia torrar a paciência pra conseguir o presente que “fiz por merecer” o ano todo. Alguns brinquedos que ganhei no fim do ano permanecem guardados em minha memória até hoje. Tive o cobiçado Meu Primeiro Gradiente, ao qual fiz o favor de inutilizar tacando areia dentro no dia 26. Tive um par de walkie talkies, que eu e meus amiguinhos nunca conseguimos fazer funcionar direito. Também tive uma réplica de martelo, de borracha, que fazia som de vidro estilhaçando mesmo quando agitado contra o ar! Colecionei muito aquelas cestinhas de supermercado, com miniaturas de latas de aveia Quaker, caixas de Sucrilhos, cerveja Skol, margarina Primor e Toddy. Ganhava muito Lego, Playmobil, Comandos em Ação, bonequinhos de herói japonês, jogos de tabuleiro os quais sequer abri as caixas... Infância saudável, apesar do bullying.

Nas tradições nórdicas e americanas, São Nicolau tem uma lista quilométrica de criancinhas boas e sacanas. As boas recebem o presente que pediram e as sacanas, como prêmio de consolação, encontram nas meias pedaços de carvão pra pôr na lareira. Se Nicolau, vulgo Papai Noel existisse de verdade, penso que ele teria de desmatar a floresta amazônica inteira umas sete vezes seguidas, só pra fazer meu carvão... Boas festas para todos!

*Designer e escritor. Sites:


Um comentário:

  1. Você tem o coração mole, embora tente manter-se longe das emoções. Feliz Natal!

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