sábado, 28 de dezembro de 2013

Considerações sobre a inocência

A inocência é um dos temas que mais me fascinam e sobre o qual não me canso de escrever, embora não tenha, ainda, opinião definitiva formada a propósito. Aqui não me refiro, observe-se, ao significado usual, o mais comum, dessa palavra, ou seja, à ausência de culpa em algum ato que tenhamos praticado que possa ser caracterizado como infração às leis, ou à moral ou aos bons costumes ou à honestidade etc.etc.etc. em nossos relacionamentos pessoais e/ou sociais. Quando trato deste assunto, estou pensando em outra coisa. Penso, sobretudo, em determinada atitude, que é a que procuro adotar em relação a amigos, inimigos e estranhos, não importa.

Ser inocente, para mim, enfatizo, não é ser ingênuo como muitos desavisados podem pensar e de fato pensam. Inocência e ingenuidade são não só duas palavras distintas e não sinônimas. São, principalmente, “atitudes” diversas. Ser inocente, na minha concepção, é jamais agir com malícia e segundas intenções, mesmo que, inadvertidamente, venhamos a desagradar e até a ofender terceiros.  Em vez de eventual deficiência, portanto, ela se constitui na mais clara manifestação de sabedoria e bom senso. Para o poeta realista espanhol do século XIX, Ramón Campoamor y Campoosório, ela é algo ainda mais precioso. “A inocência é a saúde da alma; a do corpo é a alegria”.

O poeta, ensaísta e filólogo italiano Giácomo Leopardi pensava, a esse propósito, mais ou menos o que penso. Ele escreveu, a respeito: “Entendo por inocente não aquele que é incapaz de pecar, mas o que peca sem remorsos”. Destaco que esse ilustre escritor viveu no século XVIII. Nada no mundo, para mim, pode ser mais gratificante do que o fato de ser considerado “precioso” (se possível indispensável) por alguém, mas exclusivamente por meus méritos pessoais (supondo ou presumindo que os tenha). Esta é, na minha visão, a verdadeira grandeza pela qual vale a pena lutar. Para tanto, porém, é necessário que conservemos a inocência das crianças.

O psicólogo, psicoterapeuta e psicanalista português Eduardo Sá escreveu a respeito: “Ser inocente é ter um olhar longo e aberto... É estar, ombro a ombro, com todo o universo e ser grande, ter brilho e voz (e vida) só porque se é precioso para alguém... Talvez por isso, só os sábios sejam inocentes”. É... talvez... Há, porém, quem negue que no mundo violento, injusto e contraditório em que vivemos, haja, ou algum dia tenha havido, pessoas com essa característica. É o caso do escritor e jornalista sueco, Dagerman Stig, que escreveu: “Não há inocentes; só aqueles que ainda não nasceram ou os que já estão mortos podem aspirar à inocência”. Bem, no seu caso, é preciso dar um desconto. Afinal, o jornalista, por lidar com tanta informação sobre maldade, vício, corrupção, violência, sofrimento e tudo o que de ruim se possa imaginar que integra a natureza deste animal que pensa, tende a ser ou a se tornar cético com o tempo. Não sei se é o caso de Dagerman.  Presumo que sim.

Todavia seu conterrâneo, o dramaturgo Johan August Strindberg, pensava diferente. Para ele, “somos inocentes, mas responsáveis. Inocentes perante aquele que já não existe, responsáveis perante nós próprios e os nossos semelhantes” Só não concordo com a generalização. Nem todos têm a característica da inocência. Há pessoas que parecem já ter nascido maliciosas. Aliás, atrevo-me a dizer que a imensa maioria não é nem um pouco inocente. Antes fosse. O mundo, com certeza, seria bem melhor do que é.

Estou mais propenso a concordar com o dramaturgo e escritor austríaco, Hugo Laurenz  August Hofmann Edler Hofmannsthal, que escreveu, na sua obra mais célebre, “O livro dos amigos”: “Em cada pessoa mora uma inocência própria”. Ou seja, a pureza, intensidade e assiduidade dessa característica varia de indivíduo para indivíduo, de acordo com sua personalidade, formação e, principalmente, conforme suas circunstâncias pessoais.

Entre todas as opções que citei – e poderia citar dezenas de outras – a que mais se aproxima do que penso a respeito é a do psicanalista português Eduardo Sá. A de que “talvez só os sábios sejam inocentes”  Afinal, são seres preciosos para o mundo, mas pelo que “são”, sem máscaras, enganos ou exageros, e não pelo que eventualmente “têm”. Até porque sempre entendi, desde que me conheço por gente, que essa noção de propriedade, dogma intocável do ser humano, é tão absurda que beira o surreal. Queiram ou não, admitam ou contestem, a realidade nua e crua é que não somos proprietários de absolutamente nada. Temos, apenas, (e isso quando temos) posse transitória das coisas> Mas só enquanto estivermos vivos. Não me consta que depois de mortos, as bugigangas a que demos tanto valor, sacrificando, não raro, amores e amizades, nos sirvam para alguma coisa. Não servem! Enfim...
   
Boa leitura.

O Editor.


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