quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Trocar livros é um ato de amor

* Por Mara Narciso

O termo “desapego” se esvaziou, não pela prática, mas pelo mau uso. Então eu vou de “desprendimento”. Conheço uma mulher, artista plástica como missão principal, mas com muitos outros predicados, entre eles enaltecer as qualidades alheias, dar aulas de cerâmica para crianças, fazer vitrais e mosaicos lindíssimos, entre outras artes. Seu nome é Felicidade Patrocínio, que mora numa gostosa casa colonial entre árvores e objetos de arte, que já é uma atração a mais para visitá-la e usufruir da sua conversa útil e agradável. O desprendimento total, o doar-se sem limites, são características que se destacam nesta pessoa do bem. Mas para que não fique apenas um elogio a uma amiga que admiro, vou ao ponto: a abnegação de Felicidade Patrocínio comove e impressiona. Disse que aprendeu com a mãe e aprendeu muito bem. Como se não bastasse o Clube de Leitura já com dois anos de existência, no qual mensalmente um professor mestre ou doutor em literatura apresenta texto técnico e análise crítica de uma obra conhecida, geralmente um clássico, agora o escambo. Mas sobre o clube, informado antes qual título será, com um mês de antecedência, o público de leitores comuns se prepara e aproveita como pode. Quanto ao escambo, neste ano Felicidade inventou e já fez do primeiro ao terceiro escambo e sebo de livros. Abre sua casa e dá tudo de si para que o evento aconteça. E por contas própria.

Quem comparece a um acontecimento como este ama os livros desde menino. E os pais ou professores foram os responsáveis, em sua maioria por este despertar. Ao chegar com seu livro ou livros debaixo do braço, o passaporte para entrar, a pessoa recebe um folheto explicando como funcionará a troca.  Por uma questão de justiça, é feita uma equiparação e valorização dos livros, que são classificados por alguém entendido. É analisado o tamanho e espessura do livro, o seu estado de conservação, e principalmente seu título e autor, edições esgotadas, etc. A pessoa recebe uma “moeda de plástico” colorida de acordo com a classificação do seu livro, e aguarda a palestra que envolve temas relativos à paixão pelos livros. Ela se dá debaixo de árvores e entre esculturas, que os presentes não se cansam de fotografar. Ao lado está a Galeria Ateliê Felicidade Patrocínio onde acontecem aulas de pintura, cerâmica, Yoga e outras artes, e também são lançados livros, executam-se peças de teatro e exposições de pinturas, aquarelas, cerâmicas e demais coisas belas. Um lugar no qual se saboreia arte e aprende-se a usufruir cada vez melhor desse alimento do espírito.

Após o clube de leitura, como também após o escambo de livros, há no salão principal uma sessão de comes e bebes (chás, sucos, café, bolos, biscoitos e salgados) para enlevar o encontro com o entrosamento das pessoas e troca de informações, ocasião onde florescem amizades entre quem tem muito em comum, e terá ainda mais.

Desta vez o multi-intelectual Wanderlino Arruda nos falou de modo informal sua experiência pessoal e seu interesse pelos livros, informando-nos sobre sua voracidade em lê-los, desde os oito anos de idade. Felicidade nos mostrou como é difícil aos loucos por livros se desvencilhar dos seus amores, deixá-los na banca para outro levá-los para casa. Mas ficou bem destacado: o objetivo do escambo, acompanhado pelo sebo de livros (compra por preços simbólicos de 1, 2 e 3 reais) não é formar bibliotecas e nem ampliar o número de títulos em casa, e sim fazer circular livros, que só existem no momento da leitura e quanto mais gente ler cada volume melhor para todos e para as árvores. E que não se deixem juntar poeira.

Como das outras vezes, o público compareceu em bom número, doou livros para o sebo, trocou livros amados e fez amizades. Emociona ver as crianças trazendo seus pertences e tendo dificuldade em deixá-los. Quando os pequenos são assim, as pessoas podem notar os braços dos pais lotados de livros, e nos olhos deles aquele brilho de quem antecipa o prazer de ler. Quem gosta da leitura sabe que irá se deliciar viajando no pensamento do outro, aproveitando o conhecimento que o outro tem, e que está ali na sua frente, mostrando seus mistérios através das letras, meros códigos cheios de segredos. A experiência da leitura é única, até quando relemos o mesmo livro, pois nesta nova leitura não seremos os mesmos da primeira experiência, e sim outros leitores, já modificados pelo prazer de ler. E então, vai um livro aí?

Galeria Ateliê Felicidade Patrocínio, Rua São José, 293ª, Bairro Santo Expedito, Montes Claros, MG.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   

2 comentários:

  1. Bela iniciativa, belo exemplo, belo relato. Vida longa ao projeto! Abraços, Mara.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É bonito ver as pessoas com os olhos brilhando devido aos livros. Que se consiga fazer durar essa iniciativa. Obrigada, Marcelo.

      Excluir