quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Precocidade literária

A carreira literária de João Ubaldo Ribeiro, pode-se afirmar, sem receio de equívoco, foi bastante precoce. Começou muito cedo, quando ele tinha, apenas, 18 anos. Considero, no caso, o início, o ponto de partida, o chamado “start”, a publicação do primeiro livro. Nesse aspecto, lembra um pouco Victor Hugo, entre outros. Em texto anterior, afirmei, equivocadamente, que os primeiros três contos desse escritor incontestável, a serem publicados, foram os inseridos na “mini-antologia” “Reunião”, junto com os de David Salles, Sônia Coutinho e Noênio Spinola, obra esta datada de 1961. Não foram.

Errei e errei feio! Meu erro deveu-se a certa desorganização (diria, profunda e contundente) em meus arquivos pessoais, em que algumas anotações são feitas em pequenas tiras de papel, em papeluchos às vezes minúsculos, fáceis, portanto, de se embaralhar, de se misturar e até de se perder, não raro no verso de maços de cigarro ou em qualquer outra superfície sobre a qual seja possível de se escrever. Estudos como este, porém, posto que informais, não admitem informações equivocadas, não importa o motivo do equívoco. Aliás, em qualquer tipo de texto, se for para informar errado, é melhor que não se informe nada. E justo um jornalista, comprometido com a exatidão, como é o meu caso, foi cair nessa esparrela! Mas há tempo para a correção. E lá vai ela.

A primeira publicação literária de João Ubaldo Ribeiro foi do conto “Lugar e circunstância”, de 1959. Ele foi inserido na antologia “Panorama do conto baiano”, publicada pela Imprensa Oficial do Estado da Bahia. Sabem o que o jovem futuro astro literário fazia, na ocasião, para ganhar a vida? Era “office boy” do Gabinete do Prefeito na Prefeitura de Salvador!! Quem poderia desconfiar que aquele quase garoto, que mal começara a engrossar a voz, tinha todo o talento que mostrou na sequência e que já “rabiscava” contos publicados em jornais e até mesmo um romance? É verdade que não tardou para o moço talentoso ser promovido, tão logo seus superiores hierárquicos leram alguns de seus textos. Foi guindado à função de redator da Secretaria de Turismo. “Reunião”, publicado pela Universidade Federal da Bahia, portanto, não foi o primeiro, mas foi segundo livro de João Ubaldo Ribeiro, posto que na companhia de três escritores mais idosos e mais experientes do que ele.

Aliás, foi dessa mesma obra coletiva que os organizadores de “Histórias da Bahia” (Edições GDR, Rio de Janeiro, 1963) – que, embora o leitor já esteja farto de saber (mas que reiterarei ainda muitas vezes) tomei por base para esta série de estudos sobre alguns dos principais ficcionistas baianos – extraíram o conto “Josefina”, entre os três que então publicou. Os outros dois tinham os títulos de “Decalião” e “O campeão”. Pronto, está reconstituída a verdade histórica. Afinal, o início de qualquer coisa (principalmente de uma carreira literária) é importantíssimo na trajetória de qualquer pessoa. Ninguém esquece sua primeira vez, seja no que for. No caso de João Ubaldo, não teria porque ser diferente.

Foi no mesmo ano de publicação de “Histórias da Bahia” , ou seja, em 1963, que o então já promissor escritor escreveu o primeiro dos seus dez romances, muitos dos quais transformados em filmes que esgotaram bilheterias e um, até (“Miséria e grandeza do amor de Benedita”) se tornou o primeiro livro virtual lançado no Brasil, datado de 2000. Há uma série de curiosidades em torno dessa sua primeira obra de ficção de fôlego, que não posso deixar de destacar. A primeira, refere-se ao seu título. O original, dado pelo autor, era “A Semana da Pátria”. Todavia, a editora sugeriu (ou impôs?) que fosse “Setembro não faz sentido”, que o autor acatou. Foi com esse nome que o romance em questão veio a público.

Outra curiosidade é que o livro foi publicado, apenas, cinco anos depois de escrito. Essa demora entre a produção e a publicação torna-se mais intrigante e chama mais a atenção quando se sabe que o prefácio foi escrito por ninguém menos do que Glauber Rocha, àquela altura já uma celebridade nacional. E mais, o primeiro romance de João Ubaldo contava com o “apadrinhamento” do mito literário Jorge Amado! O que aconteceu, pois, no meio do caminho, para que o livro – que ainda assim foi a primeira obra do autor no gênero – demorasse cinco longos anos para ser lançado? Da minha parte, ignoro. Talvez apenas os envolvidos na questão saibam explicar. Eu não sei.

O fato é que depois de “Setembro não tem sentido”, os romances de João Ubaldo Ribeiro sucederam-se, até com certa regularidade, embora relativamente espaçados entre uns e outros. E estes foram, pela ordem: “Sargento Getúlio” (1971), “Vila Real” (1979), “Viva o povo brasileiro” (1984), “O sorriso do lagarto” (1989, transformado em memorável minissérie da Reder Globo), “O feitiço da Ilha do Pavão” (1997), “A casa dos Budas ditosos” (1999), “Miséria e grandeza do amor de Benedita” (2000), “Diário do farol” (2002) e “O albatroz azul” (2009). O que virá depois? Não há como saber. Mas seja o que for, sendo de João Ubaldo Ribeiro, certamente será nova obra-prima e provavelmente best-seller. Ouso apostar nisso.

Boa leitura.


O Editor

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Um comentário:

  1. Li apenas "A casa dos budas ditosos", sobre a luxúria, numa sequência de sete obras sobre os pecados capitais.

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