quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Pequenas vitórias


* Por Pedro J. Bondaczuk


As pessoas costumam (e entre estas me incluo) colocar suas pretensões acima das suas possibilidades. Algumas chegam a desejar o impossível. Claro, sonhos são sonhos e é lícito lutar por sua concretização. Mas desde que sejam factíveis.

Se eu pretender ser um astronauta, por um desses caprichos da fantasia, por mais que tente jamais chegarei a sê-lo. Uma série de fatores, dos físicos, aos referentes a oportunidades, tornariam esse desejo absolutamente impossível. Há uma série de outros que a mínima lógica sugere serem irrealizáveis. Mas teimamos em correr atrás deles. E nos frustramos, nos desesperamos e entramos em depressão quando não temos sucesso na busca dessas irracionalidades.

Na maioria das vezes, a busca insensata por essas fantasias impede que valorizemos as aparentemente pequenas vitórias que obtemos, mas que em alguns casos são decisivas. No meu caso, não tenho o direito de me reprovar por falta de esforço. E nem os que souberem da minha "saga" heróica de alguns anos atrás para conseguir o que para as pessoas comuns é natural, mas que para mim foi a maior e decisiva das aventuras: reaprender a andar.

Quando estava com seis anos de idade, fui acometido de poliomielite. Até então, eu era uma criança sadia, normal, travessa, nem melhor e nem pior do que ninguém. Talvez um pouco mais agitada, a acreditar nas reclamações dos meus pais.

Da noite para o dia, vi-me privado de todos os movimentos. Fiquei totalmente paralisado, precisando de ajuda para tudo: para comer, trocar de roupa, tomar banho etc. Era completamente dependente dos outros. Como administrar isso? Só quem passou por situação semelhante sabe o desespero que se apossa da gente ao perceber o que se está perdendo da vida.

Passado o período crítico da doença, veio a fase dificílima da adaptação à nova condição. A primeira reação natural que temos nessas circunstâncias é a da revolta, sem que saibamos exatamente contra quem. E surge a pergunta mais do que natural e óbvia na nossa mente, que fica piscando como as luzes de um neon: por que eu? A autopiedade é outra tentação que passa a acompanhar os que têm essa ou outra infelicidade que os incapacitem fisicamente. No meu caso, através da fisioterapia, comecei vagarosamente a recuperar alguns movimentos.

Dia a dia conquistava pequenas vitórias, que nas circunstâncias eram imensas. Primeiro, consegui readquirir por completo os movimentos e funções do braço esquerdo e parcial da perna direita. Depois, pude sentar-me sozinho. No dia em que consegui comer, sem que ninguém precisasse me dar comida na boca, chorei de alegria. Mas eu intuía que não poderia parar nisso.

Havia muita vida dentro de mim para permanecer deitado o tempo todo em uma cama, quando havia um mundo lá fora a ser conquistado. Pensamentos aterrorizadores me assaltavam a mente. "E se eu perder os meus pais? O que será de mim?", raciocinava angustiado. Precisava aprender a me locomover! Mas como?!?

A primeira alternativa foi a cadeira-de-rodas. Esta, porém, permitia-me uma locomoção muito limitada. Como freqüentaria a escola, por exemplo, nestas circunstâncias?  Não, não era o bastante! Cismei que poderia aprender a andar de muletas, embora os médicos achassem isso impossível, pela atrofia que eu havia sofrido na perna esquerda e no braço direito. Nem liguei para esse diagnóstico.

Alguma coisa, no meu íntimo, dizia que eu poderia conseguir. E que iria. Nas férias do Lar Escola, instituição em que fazia minha reabilitação e estudava, insisti com meu pai para que me fizesse um par de muletas, já que éramos muito pobres para poder comprar um. A princípio relutando, mas depois até para se livrar da minha insistência, fui atendido.

A primeira vez que voltei a ficar de pé, sem a ajuda alheia, senti-me um rei. Deve ter sido a mesma sensação que sir Edmund Hillary teve ao plantar, pela primeira vez na história, a bandeira no seu país no Pico do Everest, o "teto do mundo".

Daí para os primeiros passos, foi uma piscada de olhos. As quedas foram muitas e algumas perigosas. Cheguei a sofrer pequenas fraturas. Mas contra a opinião e a recomendação gerais, persisti. Em suma, com o tempo adquiri tamanha mobilidade, que conseguia tomar ônibus, subir escadas e levar vida completamente normal. Freqüentei a escola primária, fiz o ginásio, o colégio e a faculdade. Adquiri uma profissão, que procuro exercer com todo o amor. Sei o que me custou chegar até onde cheguei.

Casei-me, gerei quatro filhos saudáveis e maravilhosos, que me “presentearam” com dois netos lindos e  inteligentes e agora, muito raramente, lembro-me que tenho problema físico. Apostei no impossível e me dei bem. Narro este fato íntimo não para me engrandecer ou para que os outros digam: como este sujeito é esforçado!

Menciono-o para mostrar que, por pior que seja o nosso problema, sempre há uma solução, mesmo que não a ideal ou a que preencha as nossas expectativas, em geral carregadas de fantasia. Temos a obrigação de valorizar as aparentemente pequenas vitórias que, colocadas no devido contexto, são, na realidade, maiúsculas.


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk 

Um comentário:

  1. Agora posso entender melhor o seu otimismo, sua filosofia de vida e o seu escrito, que muitos consideram de auto-ajuda. A nossa mente nos levanta ou nos derruba. E somos nós que a comandamos. Eu sou muito fraca nisso, mas ando me treinando para superar meus medos e vencer os percalços da vida. Tempos atrás você falou na dificuldade de ir ao estádio ver a Ponte Preta jogar (venceu ontem. Parabéns!)Agora posso dimensionar o motivo. Sobre a poliomielite, a minha mãe era traumatizada com ela e implorava por uma vacina. Ela estava no alpendre da casa de uma amiga quando o irmão dela vem entrando e caiu paralisado aos seus pés. Era a paralisia-infantil. Ele também ficou completamente imobilizado. O problema foi vencido em parte, mas deixou uma grande atrofia na metade inferior do corpo. Andava com o auxílio de duas bengalas de metal. O interessante é que ele, bem mais novo do que minha mãe (mais de dez anos) formou-se médico junto com ela, na primeira turma da Faculdade de Medicina do Norte de Minas. É preciso primeiro vencer a revolta, depois a auto-piedade e por fim o preconceito alheio. Nem herói e nem mocinho, mas um exemplo de que, com atitudes, a vitória vem.

    ResponderExcluir