sábado, 21 de setembro de 2013

Neste ano, os ipês são apenas amarelos

* Por Urda Alice Klueger


Para J. G. B. de O.

É quase metade de agosto, e contrariamente a tantos outros anos, eu não estava sequer a lembrar que já era tempo de esperar pela florescência dos ipês.

Em outros anos, este tempo de agora, tempo de agosto, era o Tempo da Esperança, e a chegada das flores dos ipês era como uma alegoria, como algo altamente suntuoso que pusesse em movimento o mais fascinante dos maestros que, em traje de gala, passava a reger a mais suntuosa das orquestras, cheia de loucuras de corais e solistas, e esse maestro e essa orquestra de sonho traziam até meus ouvidos e meu coração o movimento final da Nona Sinfonia de Beethoven, que gosto tanto porque é a mais bonita de todas mesmo, pelo menos para mim, e a Esperança me envolvia com seus acordes e trazia no seu bojo os ipês florescidos de ouro, e então eu ficava a esperar um vôo de Passarinho que já não demoraria a voltar ao meu Hemisfério!

Ah! Como é doce, boa e gratificante a Felicidade! Quando era o Tempo da Esperança, a Felicidade vinha e me envolvia como um manto de arminho pode envolver em dia de neve, e a vida ficava perfeita, e cada fibra do meu corpo e da minha alma vibravam em uníssimo, e me permitiam sentir cada nuance dos rosas e azuis dos céus das tardes, e as finas fatias de lua nos anoiteceres, e a fragrância das primeiras flores de laranjeira que prenunciavam a Primavera... e a loucura do ouro com que os ipês passavam a se vestir! Ver o primeiro ipê florido era receber de roldão, de uma vez só, o somatório de todas essas coisas boas, e então ficava a indagar os sonhos das noites e o céu das tardes, contando os dias, as horas e os minutos para saber quando seria a infinita alegria do pouso do meu Passarinho!

Naqueles tempos de ipês de ouro, meu Passarinho não precisava fazer nada além de me acenar de leve com uma asa para que a Felicidade se tornasse uma coisa perfeita! Eu nada esperava desse rasante vôo de chegada além do aceno leve da sua asa de pássaro, e ficava a espiá-lo de longe inteiramente vibrante, bem como a Sinfonia de Beethoven que havia dentro da minha alma!

Agora se foi o Tempo da Alegria Infinita, o Tempo da Felicidade, o tempo das Sinfonias e dos azuis e rosas das tardes, e das fatias de lua e do aroma das primeiras flores de laranjeira sob o sol, e o tempo de esperar a chegada das flores de ipê e o vôo de retorno do meu Passarinho! Meu Passarinho, agora, depenou as asas, prefere usar uma máscara de Bicho-Papão e brincar de verdade de Marcha-Soldado, ao invés da leveza de seus vôos que traziam no seu bojo a magia da Felicidade e da Primavera.


E hoje à tarde, caminhando na desolação da minha desesperança, de repente vi-me frente à frente com um primeiro ipê florido. Por um momento, como que se acendeu dentro de mim um calor do Passado, e uma fugidia ilusão quis me fazer crer que a Felicidade estava de volta. Como disse, era ilusão. Neste ano, as árvores já não terão flores de ouro, e na primeira olhada já me dei conta que os ipês deste ano são apenas amarelos. Neste ano, não haverá Primavera.

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR


Um comentário:

  1. Quanta tristeza! Nem os ipês amarelos a farão feliz, ainda que possa amenizar a sua falta de primavera. Espero que seja texto antigo e que a fase ruim já tenha passado. Melhoras aí, Urda!

    ResponderExcluir