quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Coisa boa é ser esnobe!

* Por Fernando Yanmar Narciso

O mundo seria um lugar mais suave para se viver se todos os comerciantes se comportassem como os balconistas do McDonald’s. Sempre asseados e sorridentes, olham dentro de nossos olhos, não fazem cara de importantes, e não importa a hora que cheguemos ou a forma como nos apresentemos ao balcão, cedo ou tarde suas deliciosas 16.000 calorias chegarão à sua bandeja. Naquele dito planeta perfeito, não existe preconceito: Tanto milionários de fraque e cartola como engraxates podem deixar a loja com um Big Mac e um sorriso do balconista. Será que a anfetamina vem incluída no salário deles?

Infelizmente, não é mais assim que a banda toca. A cada dia que passa, a qualidade da prestação de serviços piora. O que terá acontecido com antigas máximas como“Você em primeiro lugar”, “O cliente tem sempre razão” ou “Estamos aqui para melhor servi-lo”? Dependendo do lugar, o cidadão comum precisa literalmente puxar o vendedor pelo colarinho para conseguir ser atendido. É prática normal no Brasil, e talvez em outros lugares, o balconista ser treinado para receber apenas pessoas bonitas, bem-cuidadas, bem-vestidas e que aparentem ter muito dinheiro no bolso, e deixar os 99% de fora. Não parece ridícula a necessidade de vestir sua melhor roupa para ir comprar roupas? Calçar seu melhor e mais polido Kildare para ser notado na sapataria? Colocar sua melhor maquiagem para ser atendido no Boticário?

Eu e minha mãe temos a estranha característica de que ninguém sente nossa presença, não importa a loja em que entremos. Isso é tão comum comigo que já nem faço questão de ser atendido. Quando saio pra comprar sozinho, simplesmente paro na porta da loja e faço um reconhecimento de 360° do lugar. Se eu não achar o que preciso à primeira vista, tchau pra eles. Assim, evito que, caso alguém se disponha a atender o fantasma que vos fala, precise lidar com casos como “Bom, o que você quer nós não temos, mas temos um similar que é...”

Desde jovens, eu e meus pais sempre fomos despojados. Vestimentas básicas e simples, de quem não faz questão alguma de ser invejado ou lançar moda. Creio nunca ter passado um dia de minha vida sem ter visto minha mãe de roupas brancas, mesmo fora do ambiente de trabalho. E, talvez seja essa a grande razão de os balconistas viverem fingindo que não nos viram. Conseguir um serviço, no mínimo, satisfatório de quem quer que seja, costuma ser como uma prova de resistência do exército pra nós. “Nós somos famosos e importantes, por isso você procura nossa loja!”

Certo sábado, resolvemos sair para comprar itens que faltavam para terminar de montar a nova sala de estar. E, em praticamente todas as lojas que entramos naquele dia, precisamos mendigar pra conseguir que nos ouvissem. Tínhamos de escolher um pano para as almofadas novas, e ficamos uns vinte minutos no meio da loja de tecidos a esmo, assistindo todas as atendentes passando por nós como naquele clipe da Alanis Morissette em que ela fica nua, e não fosse eu ter puxado uma das moças pelo rabo-de-cavalo, estaríamos acampados na loja até hoje. Imagina só, nem era uma loja de tecidos finos nem nada, era uma loja tão average como o boteco da esquina, e eles nos trataram desse jeito!

É interessante notar que, dependendo da quantidade de fregueses no lugar, a qualidade do serviço é uma variável inconstante. O próximo passo era procurar uma poltrona ou “cadeira do papai” nova. Fomos a uma loja de móveis, praticamente deserta, e a vendedora faltou estender o tapete vermelho e oferecer cafezinho pra gente! Pena que ela não tinha o que procurávamos... Então fomos a uma loja de decoração, que também vende um mobiliário mais rebuscado. Já te aconteceu de, assim que você passa pela porta da loja, o balconista te medir de cima a baixo com os olhos, como se estivesse imaginando as medidas pro caixão? Antes tivéssemos recebido um tratamento assim.

Havia passado quase um minuto que estávamos lá para a dona da loja notar nossa presença. Como somos muito discretos e casuais, o vendedor sempre dá preferência a quem se parecer mais com um boneco de Olinda humano. “Ah, esses aí devem comer a ração do passarinho quando acaba a aveia. Olha só pra essa gente, parece até que foram expulsos do viaduto! Faz o seguinte, Cleyde. Enquanto eu finjo que estou atendendo eles, fica o tempo todo atrás de mim, contando os itens na prateleira pra gente chamar a polícia se estiver faltando algo quando eles forem embora...”

Conseguimos com muito custo e perseverança comprar a cadeira, mesmo com a dona sempre colocando a única freguesa da loja na nossa frente. Mas é claro que não deixaríamos a vendedora esnobe rir por último no final! Confirmando que a velha história de “Minha Mercedes tá na oficina” ainda funciona, na hora de buscar a nova mobília, deixamos a mulher de queixo caído ao ver nosso invejável Kia Soul no estacionamento da loja. Na mesma hora o nariz dela desempinou, e ela mesma veio carregando a cadeira na cabeça para ter a chance de encher o carro de elogios. Não pediu desculpas pelo atendimento desinteressado, mas se viu forçada a guardar o monóculo no bolso e se curvar diante de nós. A classe C a um carro importado de distância da high society!

Agora falando sério, gente. Por que tanto desinteresse pelo cliente? A vendedora da Hering é tão mal-remunerada quanto as pessoas que ela recebe na loja, E não importa de onde ou de quem venha o dinheiro, o importante é que ele venha. Fui ensinado que devemos tratar as pessoas como gostaríamos de ser tratado, e creio eu que quem vira a cara pro cliente supostamente maltrapilho deve sofrer a mesma descriminação que ele quando tira o crachá e vai pra fila da padaria.

*Designer e escritor. Sites:


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