domingo, 25 de agosto de 2013

Época de extremadas paixões

O florentino Benvenuto Cellini, um dos expoentes da Renascença – período fértil de genialidade e de gênios – é, certamente, a figura principal dessa época que, de fato, merece o rótulo que recebeu. Em tudo e por tudo, caracterizou o vigoroso renascimento das artes, de todas elas, após longo e monótono período (de mil anos ou mais) de mediocridade e mesmice. A vida e a obra desse artista – cuja característica, para o bem e para o mal, foi a paixão, tomada em ambos os sentidos – foram de tal sorte originais, que fica muito difícil convencer o leitor de que os episódios que venhamos a narrar a propósito sejam reais e não mera invenção, simples frutos de exacerbada imaginação.

Todavia, como que a conferir credibilidade aos seus biógrafos, o próprio Cellini, num pitoresco e original livro autobiográfico, relata (portanto, confessa), de forma nua e crua, os vários episódios em que se envolveu, de arrepiar os cabelos dos mais realistas dos realistas. A época em que viveu foi peculiar, caracterizada por artistas de personalidade forte e por atitudes nem sempre louváveis. Todavia, o florentino extrapolou nesse aspecto. Paul de Saint-Victor observou a respeito, em magnífico ensaio, que não me canso de citar: “Por suas qualidades, como por seus defeitos, por seu talento, como por sua loucura, Benvenuto Cellini é a mais original personificação dessa Itália artística do século XVI, que produziu seres à parte nas sequências da história”.

Não por acaso, essa figura excepcional (para o bem ou para o mal) e única, tem inspirado tantos artistas, contemporâneos ou não, que a elegem ou a tomam como modelo para a criação de personagens. Alexandre Dumas (o pai), por exemplo, inspirou-se no artista florentino para escrever o livro “Ascanius”, sobre os anos que este passou em Fontainebleu, na França. Hector Berlioz, por seu turno, dedicou-lhe uma ópera de grande sucesso. E não faz muito, se não me falha a memória nos anos 60 do século passado, Ira Gershwin e Kurt Weill produziram um bem sucedido e badalado musical na Broadway, intitulado “The Firebrand of Florence”, tendo as aventuras de Cellini por tema.

Sua impressionante personalidade e seu insólito comportamento são um “prato cheio” para escritores de todas as épocas, que se inspiram neles para a criação de personagens que os leitores ficam na dúvida se devam ser caracterizados como heróis ou como vilões. Saint-Víctor escreve a respeito dos artistas contemporâneos de Cellini (e, principalmente, deste): “Estranhas criaturas organizadas para o mal e para o gênio, para as violências do crime e para as obras da inspiração”.

Mas o ensaísta francês tem o cuidado de contextualizar esse período de extremos: “A Itália, nessa época, oferece o espantoso espetáculo de um ‘Pandemonium’ enobrecido e decorado pelas artes. Tem monstros letrados e bandidos diletantes, Péricles envenenadores e Fídias assassinos. Tigres saltam e emboscam-se nos jardins de Armida. Os ódios são atrozes, os ressentimentos implacáveis, as concorrências se despojam a golpes de estilete; mas um sopro divino paira sobre esta tempestade humana; a seiva desborda e fermenta, e a Arte cresce pela força dessas paixões desencadeadas, como o bronze toma uma forma sublime em meio das chamas e das escórias da fundição”.

Cabe-me, agora, fazer outra contextualização. Na época da Renascença (e da vida de Cellini, por conseqüência) não havia um país chamado Itália. O que havia era uma multiplicidade de principados, ducados, cidades-estados e um vasto território sob o domínio do papado. A unificação italiana ocorreu, apenas, em meados do século XIX. E a Igreja Católica, enquanto unidade política, ficou restrita, através do Tratado de Latrão de 1929, ao atual Vaticano. Ou seja, às dimensões praticamente de um bairro de Roma, e dos menores por sinal. As terras antes sob o seu domínio, integram, hoje, a Itália unificada.

Quanto à autobiografia de Cellini, peço licença para transcrever a seguinte informação que colhi na enciclopédia eletrônica Wikipédia: “Cellini começou a escrever, em Florença, no ano de 1558, um livro de memórias autobiográficas. Mostrando suas paixões, deleites, sua arte, bem como auto-elogios e extravagância, criou um dos mais singulares e fascinantes livros, jamais escritos, com passagens verídicas e outras fantasiosas, crimes, anjos e demônios, na que é, certamente, a mais importante autobiografia da Renascença”.

Boa leitura.

O Editor.         


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Um comentário:

  1. Viver naquela época era bem mais arriscado do que viver no Rio hoje, pelo menos se considerarmos apenas o que disse.

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