quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Comunicação sem ambiguidade

A comunicação humana é tarefa muito mais complicada do que se possa imaginar, embora seja, é evidente, indispensável à totalidade das pessoas. Ela é feita, óbvio, pelo menos basicamente, mediante a linguagem. Primeiro, o único animal racional da natureza aprendeu a expressar pensamentos, sentimentos emoções etc.etc.etc. oralmente. Na sequência, passado muito tempo (quanto ninguém jamais saberá), criou sua obra-prima nesse aspecto, o suprassaumo da invenção, que foi a escrita. Sem ela, nossa civilização jamais seria o que é. Provavelmente, sequer existiria. Pense numa sociedade ágrafa, ou seja, que não tenha alfabeto e nenhuma forma de escrita, e estará pensando em hordas primitivas, ignorantes e selvagens. Não sei se existe alguma. Provavelmente, sim.

Agora, pergunto: Só o homem se comunica com os semelhantes? Óbvio, não! Todos os animais (não importa quais), têm lá suas formas específicas para se comunicar com os outros da sua espécie. Não se trata de utilização de palavras, que não utilizam, nem de enunciá-las vocalmente, que não enunciam. Nesta altura, porém, é mister que nos lembremos de pelo menos uma exceção (talvez haja várias) no reino animal. Refiro-me aos golfinhos, Pesquisadores constataram, por exemplo, que eles provavelmente se valem desse recurso oral, e de forma aparentemente inteligente (supostamente exclusividade humana), para expressar o que querem, o que temem e do que precisam, entre outras coisas.


Há biólogos que foram mais longe e que identificaram (ou pelo menos dizem que o fizeram) um “vocabulário” até que relativamente extenso e variado (se levarmos em conta sua alegada irracionalidade) dessas peculiares criaturas. Seriam irracionais de fato? Já há quem duvide que sejam. Bem, para ser sincero, também tenho lá minhas dúvidas a propósito. Vá se saber com certeza, não é mesmo?! Li, não lembro em que lugar, que pesquisadores identificaram em torno de uma centena de “palavras” utilizadas pelos golfinhos para se comunicar. Elaboraram, inclusive, um minidicionário de sua linguagem.

As baleias, sobretudo as orcas, também teriam sua linguagem oral para comunicação. Mas... esta não é a regra na natureza, senão exceção (caso os seres marinhos citados realmente se comuniquem por uma espécie de “palavra”). A maioria dos animais se comunica, preferencialmente, por gestos, pela expressão corporal, pelo olfato – marcando territórios com urina e outros fluidos, que são identificados por outros espécimes da mesma espécie pelo cheiro – e vai por aí afora. Enfim, de uma forma ou de outra, posto que por instinto (seria só por ele?), todos os seres vivos se comunicam.

A palavra humana, não importa de qual idioma, é a melhor forma de comunicação? Bem, se comparada com a adotada pelos outros animais, sim. Todavia, é cem por cento eficaz? Funciona a contento em toda qualquer circunstância e com qualquer pessoa sem exceção? Infelizmente, não! O ideal seria que funcionasse sempre e com todos. Mas nem tudo é como desejaríamos que fosse. Esse tipo de comunicação, não raro, apresenta ambigüidades e diversos problemas. E aqui refiro-me, basicamente, à fala, que por várias razões, tem maior eficácia imediata do que a escrita, que requer, antes de tudo, alfabetização, a que cerca de um bilhão de pessoas, em pleno século XXI, ainda não tem acesso.

Por que a comunicação oral é ambigua? Porque, por exemplo, entre outras coisas, exige que quem fala e quem ouve conheçam o mesmíssimo idioma, pelo menos o suficiente para que os interlocutores se entendam . Se eu for tentar comunicar o que quer que seja, digamos, para um chinês, e não conhecer nada da língua dele (e ele desconhecer por completo a minha), a comunicação pode até ocorrer, todavia, não será completa e muito menos eficaz. Como? Por gestos, por mímica. Todavia, não terá nenhuma eficácia. Mesmo que os interlocutores se expressem no mesmo idioma, no entanto, nem sempre o que queremos expressar é perfeitamente entendido pelo interlocutor. Pode haver diferenças de dialetos, de cultura e outros tantos fatores a mutilar, se não vier a anular, a comunicação.  

 Quantas vezes eu disse alguma coisa a alguém e esse alguém entendeu absolutamente o contrário do que tentei expressar! Isso nunca ocorreu com você, caríssimo leitor? Provavelmente sim, embora talvez você não se lembre ou por algum motivo não admita. A propósito desse “desentendimento”, mais comum do que se pensa, pincei, no romance “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert, esta pitoresca constatação, que ilustra bem a ambigüidade que destaquei: “É que a palavra humana é como um caldeirão rachado em que se batem melodias para fazer dançar os ursos, quando se pretendia era enternecer as estrelas”. Pois é, entre a intenção (ou pretensão) e o que de fato acontece, vai uma diferença abissal.

Por isso, recomendo, sempre, aos que lidam com textos, notadamente aos escritores, que sejam os mais diretos e simples possíveis no que escrevem, se quiserem (e creio que todos querem) ser perfeitamente entendidos, sem as desagradáveis (e às vezes perigosas) ambigüidades. Que aquilo que você quer expressar seja literalmente entendido pelo menos por quem suas mensagens e informações sejam destinadas. O ideal é que seja por todos, desde o mais erudito dos gramáticos, ao porteiro, faxineiro ou engraxate.

Claro que simplicidade não é sinônimo de infantilidade, ou de boçalidade ou de qualquer outra coisa negativa do gênero. Também não significa que, para se fazer entendido, você tem licença para violar todas as normas da língua, notadamente sua gramática e sua grafia. É um desafio? É! Mas compensa. Escrever bem não é florear o texto de tal sorte que, após certo tempo de escrito, nem você entenda o que pretendeu de fato expressar. É ser compreendido pelo máximo de pessoas, se possível, por todas. Pense nisso.

Boa leitura.


O Editor

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Um comentário:

  1. Vem a calhar o seu editorial. Penso nas 3 semanas que tiveram para aprender Português Brasileiro os médicos estrangeiros. Há dois dias estive atendendo a um índio da Tribo Xacriabá, de São João das Missões. Ele é alfabetizado, e eu o conheço há uns quatro anos. Atendo esses indígenas há uns seis anos. Há momentos cruciais de dificuldade de entendimento, considerando que ele tem Diabetes Mellitus tipo 1 e faz uso de insulina 3 vezes ao dia, cuja dose precisa ser alterada conforme o momento. Quando senti que ele tinha entendido, fiquei feliz e lembrei-me dos médicos estrangeiros. Muitas vezes não será possível a decifração da linguagem. Desta forma, será que a Medicina funcionará?

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