quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A pequena costureira de asas

Por Cida Pedrosa

A menina espiava a terra molhada com a vista atenta. O barro da estrada estava lisinho, sem sinais de patas, rodas de carro-de-boi, pneus de bicicleta ou de carroça. Perfeito para busca do dia. O sol também ajudava, era manhãzinha e o orvalho brilhava nas folhas do marmeleiro. Tudo era odor, cores e canto de pássaros atrasados. Tempo certo para procura.

As caixinhas de fósforos e os vidrinhos de vermífugo vazios sacolejavam no pequeno bornal feito de pano. Olhos sempre atentos em direção dos que não deixam rastro fácil na estrada. De repente! bamboleante, bolinhas brilhantes, vermelho e preto, patinhas ligeiras, anteninhas para o alto. Carochinha! O mais docinho dos insetos.

A menina, com mãos precisas, acolhe na caixinha o bichinho. Tinha tomado o cuidado de fazer pequenos furinhos para que o ar penetrasse no pequeno cárcere improvisado. Anda, anda e vê de longe um rola-bosta. Este não serve. É bonito, porém nojento.

Estrada afora mais um pouco e de repente: verde e brilhante como uma esmeralda, rajado como diamante, lá vai ele, rápido e sagaz, quase perfeito, o único problema é o cheiro de besouro que ele tem. A menina se apressa e alcança o alvo desejado. Este vai para o vidrinho, dará menos trabalho na hora da soltura.

O sol já está na metade primeira do céu e é hora de voltar para casa. Já teve dias de coletas melhores, mas dois é suficiente para os afazeres da tarde. Nem bem aponta na porteira a mãe lhe chama para a tarefa da louça da merenda. O bornal é encostado num canto à espera da hora costumeira.

No início da tarde, quando todos dormem e encostam a labuta em suas redes, a menina se põe em um canto da parede, abre a caixa de chapéu Ramezoni e espalha as bonecas de sabugo pelo chão. Os retalhos coloridos, frutos das sobras das máquinas de costura da família, são moldados milimetricamente e pregados com cera de abelha no sabugo. Lindas bonecas, vestidas a caráter, prontas para as jóias.

Bem devagarzinho a menina abre a caixa de fósforos e duas anteninhas trêmulas apontam assustadas; com a delicadeza dos atos necessários ela segura a carochinha entre o polegar e o indicador. A primeira asa é arrancada de um só golpe, a outra demora um pouco, quando a dor se instala qualquer corpo se rebela.

A boneca Maria ganha um lindo broche de bolinhas e, enquanto isso, no vidrinho transparente, o cascudo estimado se esvai sem ar e sem ver como asas verdes translúcidas, se transformam em um lindo colar de esmeraldas para a boneca Beatriz.

* Poetisa e vereadora no Recife


Um comentário:

  1. Malvadezinhas infantis perdoáveis pelo alto grau de fantasia. Por aqui o nome do bichinho vermelho de bolinhas pretas é Joaninha.Coisas que nunca fiz. Eu afogava os insetos em álcool dentro de um vidrinho de injeção e os eternizava.

    ResponderExcluir