sábado, 20 de julho de 2013

Um violino indestrutível

A vida real engendra histórias tão incríveis que nenhuma mente, por mais imaginativa que possa ser, consegue “inventar” algo que sequer remotamente se aproxime delas, pelo tanto de improbabilidade e suposta impossibilidade que contêm. Há casos que, quando narrados, nos despertam a inabalável convicção de serem, além de rigorosamente inverossímeis, impossíveis de acontecer, deslavadas como mentiras. E, no entanto... são lídimas expressões da verdade. Em suma, aconteceram.

Até aí, eu não disse nada de original, admito. Eu mesmo já fiz essa mesma observação “n” vezes e certamente não fui o único, e também, com certeza, não serei o último. Uma infinidade de pessoas, mundo e tempo afora, fez a mesmíssima constatação, e com maior elegância e propriedade do que eu. Esta propositalmente extensa introdução (truque que costumo utilizar para causar suspense no leitor), vem a propósito de notícia que acabo de ler na versão eletrônica do jornal “Correio da Manhã”, introduzida pela seguinte manchete: “Violino do Titanic reaparece 101 anos depois”. “Mas como?!”, pensei, intrigado, cá com os meus botões.

Tudo o que se refere a esse já tão remoto naufrágio excita a imaginação popular, embora tenha ocorrido há mais de um século, em 14 de abril de 1912 (trinta e um anos antes, por exemplo, do meu nascimento). Escrevi muito a respeito. E, entre esses tantos textos que produzi, destaco extenso ensaio, que partilhei, por capítulos, com os leitores deste espaço, na forma de editoriais. Claro que não esgotei o assunto. Ninguém o esgotou. Desconfio que ele seja inesgotável. Narrei, de forma resumidíssima, entre tantas coisas que pesquisei a propósito, o fato da orquestra do navio – cujo comandante havia dito, em tom arrogante, que “nem Deus poderia afundar” (mas que afundou) – permanecer tocando seus instrumentos quando a embarcação já estava irremediavelmente condenada e quando, portanto, seus integrantes, os músicos, estavam para lá de cientes que os esperava apenas a morte certa.

Pois bem, o violino, do líder da banda, Wallace Hartley, foi o único dos instrumentos resgatados, o que, por si só, já soa como inverossímil. Depoimentos dados por testemunhas do naufrágio comprovam que, enquanto o Titanic afundava, os músicos tocavam um dos hinos religiosos mais belos que conheço, traduzido para o português com o título de “Mais perto quero estar” (o de número 427 do Hinário Adventista). Entre os acordes, destacava-se o solo de um dos instrumentos. E este era, justamente, o do violino. O corpo de Hartley foi resgatado do mar (diria que de forma “milagrosa”) quase duas semanas após o Titanic afundar. Hoje está sepultado no cemitério de Colne, sua cidade natal. Quando foi localizado, ainda vestia o uniforme da banda. E, amarrado junto ao corpo, trazia uma caixa de música, no interior da qual estava o tal violino.

Pois bem, após o sepultamento, o “indestrutível” instrumento foi entregue à mãe de Hartley. Ele fora um presente da noiva do músico, Mary Robinson, para celebrar o noivado. Por isso, acabou retornando às suas mãos. O tempo passou, as notícias sobre o naufrágio esfriaram e ninguém mais pensou no corajoso maestro e muito menos no seu “violino mágico”. Soube-se, agora, que o até mítico instrumento havia ido parar nas mãos do Exército da Salvação, após a morte de Mary, ocorrida em 1939. Tempos depois, ele foi dado a uma família, que não foi identificada, que o guardou no sótão, certamente sem saber do seu valor tanto material, quanto (e principalmente) sentimental e até histórico. E eis que agora... ele reaparece. E em uma casa de leilões.

Seu reencontro, na verdade, deu-se há sete anos. Nesse tempo todo, especialistas em antiguidades de várias áreas empreenderam ingentes pesquisas para determinar a autenticidade do instrumento. Uma pequena placa no violino, com uma inscrição característica, resolveu de vez o problema. Na plaquinha está escrito: “Para Wallys, por ocasião do nosso noivado, Maria”. Outra coisa que convenceu os especialistas de que o instrumento é autêntico foram os depósitos e a ferrugem que ele contém, compatíveis com objetos que tenham permanecido por algum tempo imersos no mar.

A casa de leilões, tão logo foi estabelecida a autenticidade do objeto, estipulou, como lance inicial, a cifra de cem mil euros. Mudou de ideia, contudo. Desistiu de leiloar o precioso instrumento, por entender que pode conseguir mais, muito mais se o negociar com algum museu (e vários já se mostraram interessados). Dessa forma, o acaso propiciou mais uma justa homenagem à memória e ao heroísmo de Wallace Hartley, um tanto esquecido na atualidade, que exerceu sua atividade, com honra e orgulho, rigorosamente até o derradeiro sopro de vida. Agora, caríssimo leitor, responda-me com sinceridade: você acha que existe algum escritor no mundo capaz de criar uma história assim, tão bela e tão repleta de coincidências, com toda aparência de mentira, mas rigorosamente verdadeira, como esta que a vida real escreveu?

Boa leitura.


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