sábado, 29 de junho de 2013

Patriotismo à brasileira

* Por Fernando Mariz Masagão


Hoje não acordei nublado, como vinha acontecendo nas últimas semanas. Hoje levantei otimista e patriota como a imensa maioria das pessoas. E isso porque hoje é o dia do jogo de estréia do Brasil na Copa do Mundo. É irresistível falar no assunto, pelo menos para mim que sou um viciado confesso no ópio comum do Gol. O país já está quase inteiro em estado de embriaguez coletiva. Bandeirinhas tremulam para fora dos carros, das casas e prédios, nos muros e nos postes. As ruas foram enfeitadas. Por todo lado só se vê a bandeira da Seleção Brasileira.

Sim, porque de acordo com uma amiga minha, o brasileiro pensa que a bandeira com a qual, de quatro em quatro anos, desafoga o peito oprimido é a bandeira da Seleção. De fato, é difícil identificar a flâmula verde e loura com qualquer outra coisa, mesmo com o país. Ela até me confessou que não entendia porque erguiam a bandeira do time do Pelé na frente de tudo quanto é prédio público. E é verdade. Se não, qual outra explicação se dá ao fenômeno de só sermos patriotas, neste grau de ufanismo dionisíaco, quadrienalmente? Segundo o catedrático de São Januário, o professor José Paulo Lanyi, isso se dá pelo fato de que só de quatro em quatro anos somos a potência inconteste.

E qual outro evento nos causa a mesma comoção? O carnaval? O 7 de setembro? A proclamação da República? O ano novo? Não. A resposta é óbvia. Só na Copa o brasileiro pode ser desavergonhadamente patriota, porque na Copa temos todos os motivos para tanto. Querer que esse sentimento aflore em qualquer oportunidade imbecil é querer que o brasileiro seja burro, e nós não somos.

Muito se fala na “baixa auto-estima” do brasileiro. Mas o brasileiro é na realidade um impiedoso autocrítico. E a sua “baixa auto-estima” não passa de vaidade exacerbada. Uma vaidade sombriamente podada pelas circunstâncias. É a dor inconsciente do ser e não ser. Isso nos indigna, mas não nos desperta. Seguimos ao sabor do vento e das piadas. E mesmo que finjamos não sentir, isso tudo nos espicaça. Toda vez que uma criança come lixo; toda vez que alguém morre sem socorro numa fila de hospital; enfim, toda vez que fingimos não ver o que 500 anos de ganância e corrupção estúpidas fizeram conosco, a frustração cresce silenciosa e maligna como um tumor. Por isso dizermos que temos vergonha de ser brasileiros. Estamos supurando um sentimento de amor ferido, de vaidade machucada, de decepção. É a face oposta da medalha. A Copa prova isso.

Basta vermos nossas melhores características triunfarem para comungarmos uma alegria por nosso povo e nossa cultura. Muitos exemplos no passado poderiam servir como um fator de união tão poderoso para o nosso país quanto o futebol (e muitos ainda por vir poderão também fazê-lo). Mas para isso teremos que acordar da ressaca em que vivemos e colocar a mesma paixão e seriedade que devotamos ao futebol na construção de nossas vidas. Está na hora do brasileiro se embriagar do Brasil. Me desculpem o patriotismo, ou o patri-otimismo (não resisto a trocadilhos). Deve ser efeito do ópio.

*Fernando Mariz Masagão é músico, dramaturgo, poeta e colaborador de publicações online sobre arte, com crônicas e críticas musicais. Guitarrista e vocalista de bandas de rock'n'roll, tem formação clássica vigorosa, em cursos de regência sinfônica, apreciação musical e instrumentação.   


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