quarta-feira, 26 de junho de 2013

O mundo lá dentro

* Por Fernando Yanmar Narciso

“A dor de um indivíduo não significa nada, quando comparada à dor de toda uma nação” - Provérbio chinês

Caso vocês ainda não tenham notado, as últimas semanas mudaram o Brasil. As pessoas estão diferentes. Não aceitam ficar com a bunda exposta na janela pros políticos passarem a mão nela. Não! Os contribuintes submissos e alheios a tudo que não seja futebol, novela e impostos voltaram a ser voz ativa, querem participar do cenário político nacional. Querem aprender o que o poder faz de certo e principalmente o que faz de errado com nosso dinheiro, pois agora a turma de Brasília sabe que, se qualquer um deles sair da linha, maluco, nóis sobe no telhado do Congresso, taca pedra nas janelas e fogo nas paredes do Itamaraty, deixa o presidente ilhado e acuado dentro do palácio e vira capa de todas as revistas do país. Retomamos o país que os bandalhas nos saquearam ainda no governo militar.

Milhões de compatriotas tomaram as ruas na maior manifestação desde que derrubamos Collor. Chamamos a atenção do mundo inteiro para as mazelas da nação e demos uma indesejável conotação político-social para a Copa das Confederações. Foi maravilhoso assistir aos torcedores mudando a mentalidade durante as partidas. No primeiro jogo do Brasil, uma vaia devoradora para Robodilma que nem a deixou fazer o discurso de abertura do evento, e provavelmente a fez voltar para a limusine pra chorar no banco de trás. E, em pleno calor da Quarta-feira Iluminada, a torcida fez a seleção quebrar o protocolo da FIFA e cantar o hino nacional até o fim, mesmo sem acompanhamento da orquestra, emendando com um canto ufanista como há muito não se via. Uma tarde gloriosa! Se ao menos tivéssemos um rei digno de tanta reverência... Ou será que temos?

Enfim, o povo brasileiro se redescobriu como brasileiro nas últimas semanas. O queeeeee não quer dizer que o país tenha mudado tanto assim. Claro, voltamos às ruas para cobrar o que é nosso de direito e foi maravilhoso, mas até o próximo pronunciamento de Robodilma, nosso mirmidão com o cabelo da Odete Roitman, trazendo as boas novas que todos esperamos que a presidenta nos traga, continuamos sendo os mesmos chicletes mascados na calçada de sempre. Não aceitarmos mais as coisas como elas são não significa que elas já tenham mudado. Continuamos à mercê dos três poderes, dos mensaleiros, da ladroagem, da corrupção, enfim, de tudo o que ainda dá as regras do jogo.

Grande coisa que você se vestiu de verde e amarelo e foi desfilar com seu cartaz de protesto na Praça Sete... Aos olhos de seu patrão você simplesmente matou o serviço e ficou de bobeira o dia todo. Vai ser provavelmente o bilhete azul mais patriótico que você já recebeu em sua vida... Idealismo e manifestação não pagam pensão. IPTU, IPVA, IPI, contas de luz, água, internet, celular, telefonia fixa e o escambau de asas continuam sendo passadas por debaixo de sua porta, não importa se você tenha se rebelado contra as contas. Mesmo que você ponha fogo na papelada e mande as cinzas pra Brasília num envelope pardo ou banque o punk fajuto e limpe a bunda com a declaração de IR, ainda precisará vender a alma ao diabo para pagar os impostos.

As ruas continuam mais violentas que nunca, os buracos no asfalto continuam grandes o bastante pro King Kong tropeçar neles, as pilhas de sacos de lixo nas calçadas já poderiam até rivalizar com a Muralha da China, o saneamento básico continua com cara de“sacaneamento” básico e a inflação, apesar de ainda pequena e condizente com a do resto do mundo, assusta bastante. Quer dizer, há um ou dois meses, o infame tomate chegou a custar quase R$ 10,00 o quilo, tornando-se a piada pronta do governo Dilma. Mas ele foi a ponta do iceberg... Para aqueles que não entenderam porque os ricos, que pagaram centenas para assistir ao jogo de estreia, vaiaram a presidenta, saibam que o pêssego importado, na minha cidade, chega a custar até R$ 32,00 o quilo! Quanto deve estar custando uma joia Vivara ou uma garrafa de Crystal? Ah, é de amarfanhar a juba oxigenada!

Mas é hora dos nossos mandantes encararem a realidade. Essa bagunça do povo é culpa deles. Parece antiquado pensar assim, mas alguém já disse que um trabalho bem feito é o melhor salário que podemos receber. Chegar em casa à noite, sabendo que a missão a qual você foi incumbido foi cumprida, é um calmante e tanto. Será que vocês-sabem-quem se sentem assim no final do dia? São mesmo capazes de encostar a cabeça no travesseiro sem serem assombrados por fantasmas do passado? Pelo que dizem por aí, os políticos suecos e os ingleses vivem de consciência limpa, pois se limitam a simplesmente fazer o que eles foram eleitos para fazer, sem receber nada por fora.

Macacada no poder, fica a dica. Tudo o que está acontecendo no país, dos manifestos ao pisotear no teto do Congresso, é culpa de vocês! Nada disso estaria acontecendo se vocês FIZESSEM O QUE DEVIAM ESTAR FAZENDO! Ser materialmente rico e poderoso é uma forma de conquistar o respeito das pessoas, mas não é o melhor. O povo “honesto e trabalhador” do Brasil está nas ruas para provar. Se bem que não creio que essa gente que matou serviço pra fazer protesto seria capaz de fazer algo diferente no lugar das cobras criadas...

Sem querer dar uma de Lair Ribeiro, mas esse conselho é muito pertinente, para políticos e não políticos: FAÇAM O ÓBVIO E NINGUÉM FICARÁ NA PIOR.

*Designer e escritor. Sites:


Um comentário:

  1. Fez graça com o sério, e o deboche não ficou ofensivo. Gostei da petulância e criatividade.

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