sábado, 15 de junho de 2013

Folclore a serviço da proteção da fauna

As manifestações folclóricas brasileiras, com suas variantes e peculiaridades regionais, são incontáveis e sua descrição, posto que resumida, é tarefa para uma vida inteira de um pesquisador atento e dedicado, o que torna a mera tentativa minha de esgotar o assunto inviável, notadamente para este espaço voltado à literatura, às artes e à cultura em geral. O que me propus a fazer foi trazer ao conhecimento dos que não conhecem – a maioria dos brasileiros – e à lembrança dos que têm pelo menos alguma noção a propósito, os folguedos mais conhecidos e tradicionais do nosso povo. E mesmo esse resumo do resumo do resumo não deixa de se constituir em grande façanha diante de tanta riqueza folclórica.

Hoje, por exemplo, proponho-me a abordar, de maneira bastante sucinta, um folguedo característico da Amazônia, sobretudo do Pará e um pouco menos do Amazonas, embora suas variantes estejam presentes em diversos países da América Latina. Refiro-me ao Cordão do Bicho cujo nome, por si só, indica sua natureza. Certamente é influência dos indígenas, embora seja muito popular e requisitado por toda a população dessa importante região brasileira. No caso, é o folclore a serviço da preservação da riquíssima fauna brasileira.

Essa festividade é baseada num princípio de morte e ressurreição totêmica. Explico. Consiste na formação de diversos cordões, tendo, cada um deles, por símbolo (totem) determinado bicho (que pode ser animal ou ave), como onça, tamanduá, macaco, tatu, rouxinol, bem-te-vi, beija-flor, arara etc.etc.etc. Vai da imaginação dos seus criadores. E esta, convenhamos, é das mais férteis, merecendo, inclusive, um superlativo, tão do meu gosto dado meu temperamento exagerado: fertilíssima!!!

O enredo é dos mais simples, embora com algumas variações de grupo para grupo e de região para região. Resume-se ao seguinte: um caçador mata um bicho (ou vários deles, já que vários cordões participam, ou podem participar do folguedo), em um momento inadvertido de desatenção. O matador é imediatamente preso e somente é libertado após ressuscitar o bicho que matou. Essa ressurreição, no entanto, só é possível com a providencial interferência de um pajé. Tudo é desenvolvido em meio a cantos e danças e muita animação.

Apesar de se tratar de manifestação folclórica característica da região Norte, sobretudo da Amazônia, é possível detectar sua presença em outras partes do Brasil. Cito, como exemplo, um cordão de bicho bastante conhecido e já tradicional, da cidade paulista de Tatuí. Foi criado em meados de 1928 por Vicente de Almeida e Aladim Ponce, congregando funcionários da fábrica São Martinho, daquela localidade. Inicialmente, os totens eram três animais: um elefante e dois cavalos. Com o tempo, cresceu bastante, com o acréscimo de vários outros bichos. Esse cordão é bastante requisitado e já se apresentou em centenas de cidades brasileiras, nos vários festivais folclóricos que ainda (felizmente) são realizados, todos os anos, notadamente em agosto, o mês do folclore, país afora. Ademais, também é atração anual nos carnavais de Tatuí.

Muitos compositores especializaram-se em compor enredos para os cordões de bichos (a exemplo do que ocorre, por exemplo, em relação às escolas de samba), enfatizando, claro, os respectivos totens. É costume em algumas regiões promover esse tipo de apresentação abrindo festas juninas.

Reproduzo, a título de esclarecimento, trecho do elucidativo artigo “Cordões de bichos e pássaros”, do renomado pesquisador Rossini Tavares de Lima, publicado no site Jangada Brasil (WWW.jangadabrasil.com.br):

“Ultimamente, quem melhor tratou dos folguedos populares da Amazônia, os cordões de bichos e os pássaros, foi o folclorista e etnólogo Edison Carneiro.

Em seu último trabalho, A conquista da Amazônia, assim ele comenta os primeiros: ‘Os cordões de bichos são uma alegoria popular, que resulta numa defesa da flora, e da fauna da região norte’. Constituem, ‘em palco armado nas cidades do interior, a representação dramático-burlesca que gira em torno de um caçador, que ora por inadvertência, ora por maldade, alveja, mortalmente, um pássaro encantado. Da trama fazem parte pajés e fadas, matutos e índios, estes como perseguidores do caçador e sentinelas da floresta’. Para encerrar, entretanto, o pássaro ressuscita e o caçador ‘ganha o perdão da tribo ou se vê exposto à execração pública’.

Os pássaros, segundo ainda o mesmo autor, são o prolongamento em roupagem urbana dos cordões de bichos. Folguedos do ciclo joanino como estes, se apresentam às vésperas de São João, em cinemas, circos e palcos populares de Belém, no estado do Pará.

Seu argumento é ‘uma estranha mistura de novela de rádio, burleta e teatro de revista, a que não falta certa cor local’. E aí aparecem fidalgos à moda do século XVI e XVII, cenas jocosas de matutos, danças de belas jovens semi-nuas, etc. (...)”  

Peço licença ao leitor para transcrever ainda dados que colhi direto na fonte, no portal “Pará – cultura, flora e fauna” (WWW.cdpara.pa.gov.br/cordao,php), com informações fresquinhas´e pertinentes sobre alguns cordões de bicho.

"Tem-tem"

Foi criado pelo Sr. Manoel da Silva, estudioso do folclore, em 1930. Em meio a um grupo animado de garotos na praia do Cruzeiro, em Icoaraci, teve a idéia de criar um "cordão de bichos". E assim surgiu o "Tem-tem", formado apenas por meninos de 8 a 14 anos. O grupo cresceu e passou a ser representado por adultos. Com o falecimento do Sr. Manoel o grupo ainda continuou em Icoaraci. Hoje é liderado pelo Sr. João Ramos, entusiasta do folclore, que imprime muito luxo e colorido ao grupo que se apresenta com rica indumentária.

"Rouxinol"

O Rouxinol é um grupo tradicional coordenado pelo Sr. Neco e depois pela Sra. Libânia. Com a morte dos fundadores o cordão continuou firme, quando em 1930 a Sra. Julieta assumiu. Com muitas dificuldades o Rouxinol já não concorria mais, só saía para brincar. Em 1950 o professor Laércio Gomes assumiu a direção. Ele é escritor, compositor das peças e maestro das músicas, conhecido como "Pena de Ouro" do folclore paraense. A partir daí o Rouxinol passou a ser novamente um grupo representativo da preservação e divulgação do nosso folclore.

"Beija-flor"

O Beija-flor existe desde 1963. Seu fundador foi o Sr. Manuel Lima, que junto com um grupo de amigos no Souza Bar, no bairro de São Braz, num momento de euforia, teve a idéia de criar um cordão. Com a morte de seu fundador, o "Beija-Flor" seguiu em frente sem se abalar, sempre seguindo a tradição da simplicidade, da beleza e da originalidade.

"Tucano"

É um grupo tradicional da terra, tendo sido fundado em 1928 pelo senhor Ciprino, apaixonado pelo folclore. Em 1942 consagrou-se campeão e daí por diante deixou de se apresentar por causa da morte de seu líder. Voltou em 1980 sob a coordenação do Sr. Laércio Gomes. A partir de 1982 a coordenação ficou a cargo da Sra. Iracema de Oliveira.

"Caboclo Lino Pardo"

Foi fundado em 1966 pela Sra. Manuela do Rosário Ribeiro. A partir de 1979 quem assumiu a direção foi a Srta. Ana Rute do Rosário Ribeiro.

"Leão Dourado"

O Leão Dourado surgiu na Ilha do Marajó, sob a direção de Dona Luzia, que teve a idéia de encenar o Cordão para suprir a escassez de lazer na ilha. A inspiração para o nome veio de um grupo chamado Leão, do qual Dona Luzia já participara antes em 1948. A partir de 1969 o Sr. Martiniano e sua esposa passaram a ser os proprietários do grupo.

"Bem-Te-Vi"

O cordão surgiu a partir de uma promessa, feita por dona Sulamita ao Menino Jesus, de todo ano fazer uma pastorinha. Mais tarde escreveu uma peça inspirada em São João Batista. Depois dessa encenação surgiu a idéia de criar um cordão de bicho, que denominou Bem-te-vi. Dona Sulamita é coordenadora, escritora, ensaia as peças e é responsável pelo guarda-roupa do grupo.

"Arara"

A Sra. Joana Cordovil foi a fundadora do grupo Arara em 1977. Dona Joana e seu filho são os coordenadores de todas as atividades do grupo, sendo ela quem cria e ensaia as peças, desenvolvendo temas da cultura paraense.

Boa leitura.


O Editor.

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Um comentário:

  1. A existência de grupos folclóricos como os citados e outros, dependem muito mais de uma pessoa, geralmente única mesmo, que é a alma do grupo, do que do poder público. Quando está para morrer o folguedo, aparece um político que assume a festa, mas não sem antes descaracterizá-la, para desespero dos puristas.

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