domingo, 19 de maio de 2013


Livro reacende polêmicas sobre Wagner

As polêmicas, em torno da vida e da obra do compositor Richard Wagner – que nunca, desde quando ele era vivo, desapareceram da imprensa – estão mais acesas do que nunca, quer nos meios de comunicação europeus, quer políticos, quer no âmbito exclusivamente musical. Era de se esperar que isso ocorresse, especialmente em 2013, com o passagem do bicentenário de seu nascimento. O foco principal dos debates continua sendo (como sempre) seu suposto anti-semitismo, em decorrência de um único (mas desastrado) ensaio, em que investe contra a influência (a seu ver perniciosa) dos judeus na música alemã.

É certo que ele teve muitas oportunidades de se retratar, mas não o fez. Em vez disso, revisou o malfadado texto e republicou-o, com novas acusações e impropérios contra compositores dessa etnia. Todavia, na prática, como ressaltei em um dos meus textos a propósito, Wagner nunca mostrou que nutrisse preconceito contra os judeus. Pelo contrário, associou-se com muitos deles ao longo de sua turbulenta, mas vitoriosa carreira. Ademais, não há nenhuma outra evidência, além do infeliz ensaio, em suas duas versões, que comprove seu tão propalado anti-semitismo.

Agora, uma nova biografia desse polêmico personagem, lançada há pouquíssimos dias na Alemanha, vem colocar mais “lenha na fogueira”, reabrindo os debates em torno do pensamento, da obra, do comportamento e da personalidade dessa tão controvertida figura. Trata-se do livro de Sven Oliver Müller, cujo título em alemão é “Richard Wagner und die Deutschen. Eine Geschichste Von Hass und Hingabe”, que pode ser traduzido como “Richard Wagner e os Alemães. Uma história de ódio e fervor”. Trata-se de relato sumamente negativo à imagem e à memória do compositor nascido em Leipzig. É um perfil talvez até mais contundente do que a opinião de contemporâneos desse personagem, aqueles que foram supostamente prejudicados de alguma forma por ele, ou por não pagar alguma dívida, ou por roubar-lhe a mulher ou por qualquer outro ato pessoal da mesma ou de maior gravidade.

Sven escreve, entre tantas outras coisas, algo que é para lá de óbvio: “Wagner, ou se adora, ou se detesta, tanto pela música, quanto pela própria pessoa”. Ele, que tanto bate na tecla do alegado anti-semitismo do compositor, que investe contra o que entende ter sido “preconceito racial” da figura enfocada, se mostra, por seu turno, sumamente preconceituoso. Escreve, com todas as letras, a propósito de Wagner: “Como homem foi um ser monstruoso”. Como você pode dizer isso a propósito de alguma pessoa com a qual não conviveu, de quem não foi contemporâneo, baseado, apenas, em versões que colheu a seu respeito?! Eu não diria isso de ninguém, a menos que tivesse provas irrefutáveis a propósito, as que ele certamente não tem.

Que Wagner foi, digamos, um trapalhão, que não foi nenhum primor em termos éticos e morais, que enganou muitas pessoas, lesou tantas outras e manipulou muitas delas até as biografias que lhe são mais favoráveis sugerem. Mas daí a classificá-lo como “ser monstruoso” não esconde, na minha modesta interpretação, claro, evidente, cristalino, ostensivo e odioso ranço de preconceito, além de se constituir em imenso exagero. Reitero: eu não diria isso de ninguém.

Boa parte do rancor dos adversários contemporâneos do polêmico compositor deve-se ao fascínio que o ditador nazista Adolf Hitler tinha por sua música. E não somente isso, mas, principalmente, pelo pretenso anti-semitismo de Wagner – que Sven se apressa em classificar de “comprovado” com base somente em duas versões de um mesmo ensaio – o que teria “inspirado” o hediondo líder nazista a planejar e executar o pavoroso “Holocausto”. Uma coisa como essa não me convence e não me entra na cabeça; Quer dizer que se Hitler não conhecesse a biografia de Wagner e não gostasse tanto da sua música, não teria determinado o extermínio dos judeus?!! Ora, ora, ora.

Frise-se que o ditador nazista não conheceu o polêmico compositor pessoalmente e nem poderia ter conhecido. Por que? Simplesmente porque nasceu seis anos depois da morte de Wagner. É certo que conheceu os descendentes dele, seus filhos e nora. É certo que Hitler era freqüentador assíduo dos festivais de Bayreuth, que mantinham (e ainda mantêm) viva a obra do genial músico. Mas que culpa este tem?

Raciocinemos. Caso as idéias que tenho (e que busco expor com a máxima clareza) um dia, daqui  50 anos, venham a cair em mãos de algum monstro, como o líder nazista, e este interpretá-las distorcidamente e usá-las como pretexto para cometer atrocidades, a responsabilidade será minha?!! Mas como!!!  A julgar, porém, pela opinião de Sven Müller, eu seria o responsável, seria “cúmplice” dos crimes mais horríveis que viessem a ser praticados (à minha revelia), cinco décadas após minha morte, caso essa desgraça acontecesse. Ele escreveu a propósito: “O que é relevante em Wagner não é o que fez em vida, mas como ele influenciou e continua a influenciar a Alemanha e os alemães, que a cada duas décadas mudam a sua perspectiva sobre ele e a sua música, atualizando sempre a sua interpretação de gênio”.

Prefiro ficar com a sensata opinião de um leitor, que escreveu o seguinte a propósito do livro de Sven Müller, na matéria a respeito publicada pelo jornal espanhol “El Mundo”: “Seria bom que ficássemos com a música do compositor. Noto uma tendência bem marcada dos meios de comunicação de adjetivar, de associar uma coisa com outra. É uma falácia por parte dos jornalistas, um estratagema para manchar a reputação alheia. É como quando querem manchar o prestígio da Igreja porque um católico tenha feito tal e qual coisa (a maioria das vezes falamos de calúnias e injúrias). Daniel Baremboim (maestro judeu) soube separar a música da ideologia. Temos que tomar este exemplo e não estar repetindo sempre as mesmas coisas. O racismo é algo ruim, seja de um branco em relação a um negro ou vice-versa. ‘O anti-semitismo é um absurdo’, disse um convertido argentino. Ninguém reivindica as teorias raciais de Rosemberg ou as Leis de Nuremberg. Simplesmente digo que devemos adotar uma atitude de superação, como a do diretor de orquestra judeu que, tocando Parsifal, reuniu crianças judias e palestinas. Este é o caminho a seguir”. Precisa acrescentar mais alguma coisa? Claro que não!   

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Belo exemplo na superação de um gesto canhestro: torná-lo positivo. Parabéns ao maestro.

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