quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013


Um romance como só um cego saberia contar
 
* Por Fernando Yanmar Narciso

Muitas vezes, um filme é apedrejado tanto por críticos como pela audiência. Até você acha o tal filme uma porcaria à primeira vista, mas por algum motivo, toda vez que ele é reprisado na TV, lá está você, lutando contra o sono para chegar ao final dele mais uma vez. A TV por assinatura facilitou muito a catequização desses filmes-fetiche, tendo canais que repetem um mesmo filme por uma semana inteira. Há pelo menos três filmes que, mesmo sendo ruins com louvor e que quase ninguém goste, não consigo parar de ver até o final sempre que são reprisados: Constantine, com Keanu Reeves, Alexandre o Grande, com Colin Farrell- Podem rir à vontade!- e, o que interessa hoje para nós, Tróia, um relato quase ateu da guerra mais famosa do mundo.

Homero, um bardo cego que supostamente viveu no século VIII a.C, tornou-se também o autor mais imitado da história, devido às suas obras- primas Ilíada, nosso assunto de hoje, e a Odisséia, que relata a viagem de volta do herói Ulisses da Guerra de Tróia. Claro que, pelo bem da bilheteria, toda a obra original foi extremamente simplificada por Hollywood, para que os americanos tapados pudessem entender o filme. Da maioria dos personagens, só restaram os nomes. O diretor Wolfgang Peterson, nas primeiras reuniões para discutir Tróia, decidiu não usar Zeus nem seus comparsas do Monte Olimpo como personagens fixos no filme, por considerar os deuses gregos muito ingênuos. Assim, eles seriam apenas citados pelos personagens, e a produção focou-se apenas no fator humano da história.

Quase todo mundo já deve ser familiarizado com o enredo da guerra de Tróia: Há muito tempo, Páris (Orlando Bloom), um dos príncipes troianos, se apaixona perdidamente e sequestra a rainha Helena de Esparta (Diane Kruger), a perfeição feminina em pessoa, das mãos do rei Menelau (Brendan Gleeson, o próprio Brutus). Sedento de vingança, ele pede ajuda ao irmão, rei Agamemnom de Micenas (Brian Cox) para resgatá-la e puni-la pela traição. Agamemnom, que há muito planejava conquistar Tróia, utiliza a mágoa do irmão como pretexto para declarar guerra ao rei Príamo de Tróia(o Lawrence da Arábia em pessoa, Peter O´Toole).

Mas a narração de Homero não se trata exatamente do conflito entre reis, e sim do conflito entre os dois melhores soldados de cada lado: o semideus Aquiles (Brad Pitt, em atuação vergonhosa), herói da Grécia e grande desafeto de Agamemnom, que é convencido por sua mãe, a ninfa Tétis- por sinal, a única divindade a aparecer no filme todo- a liderar o exército grego na guerra e ser lembrado como o maior soldado que já existiu, mesmo que ela saiba que o destino de seu filho é morrer em combate. Ainda com má vontade, ele se lança nessa aventura, que traz dez anos de carnificina diária, apesar de o filme fazer parecer que a guerra não durou nem um mês.

E do lado troiano, há o príncipe Heitor (o subestimado e excelente Eric Bana), filho mais velho de Príamo e melhor soldado de seu povo, que tenta evitar o conflito de nações até o último minuto. A coisa que ele mais temia era um confronto corpo a corpo com Aquiles, mas é claro que ele acaba ocorrendo, caso contrário não haveria enredo. O semideus tinha um muito estimado “donzelo”chamado Pátroclo- que o filme covardemente transformou em primo do guerreiro, pois para os americanos, grandes heróis não podem ser pederastas- que quer a todo custo lutar na guerra, mas ele nunca o deixa ir junto. Num dia em que Aquiles não estava com muito saco para dilacerar gargantas, Pátroclo pega a armadura dele sem avisar e vai liderar o exército grego fingindo ser o amante. No calor da batalha, ele acaba esbarrando com Heitor, que o mata.

Ao saber que a menina dos seus olhos foi assassinada, Aquiles é tomado por uma ira sobre-humana, que faria até Chuck Norris se borrar de medo, e sai matando milhares de troianos por dia para tentar espiar seu ódio- tal eugenia também foi omitida do filme, para poupar o “heróico” Brad Pitt- até ficar frente a frente com Heitor e o desafiar para um duelo diante dos muros troianos. Para saber como termina esta saga, não deixem- ou deixem, sei lá- de ver o filme ou, de preferência, procurar pelo livro Tróia: O romance de uma guerra, de Cláudio Moreno, que pega os mais de 15.000 versos da Ilíada e transforma numa deliciosa novela das 6, por assim dizer.

E pensar que a maior guerra da história pode ter sido provocada por uma mulher... Ou, mais “provável”, por Zeus e seus colegas. Segundo Homero, todas as intrigas que acarretaram na guerra foram provocadas pelos caprichos do panteão de divindades mais promíscuas e anarquistas de todas as mitologias, que vêem os seres humanos como peças num enorme tabuleiro de Banco Imobiliário. Se bem que, se ignorarmos o aspecto místico da narrativa, ainda temos uma guerra que durou dez anos. Tempo mais que suficiente para o príncipe Páris engravidar Helena umas três vezes, e da mulher mais bela do mundo sofrer os inevitáveis efeitos da gravidade. Será que tanto sangue derramado, se é que foi mesmo derramado, valeu a pena no final? Só um cego poderia nos dizer...

*Designer e escritor. Site:
HTTP://terradeexcluidos.blogspot.com.br

Um comentário:

  1. Excelente e engraçada resenha. Até me fez sorrir, eu que sou dura na risada.

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