sábado, 16 de fevereiro de 2013


Um analista das civilizações

O estudo das civilizações, sob enfoque científico, envolvendo diversas disciplinas que não somente a História em si, como a conhecemos, ganhou especial relevância a partir do século XX. Contribuíram, para isso, pesquisas e teses – com as respectivas demonstrações – de notáveis filósofos, historiadores, cientistas sociais, antropólogos, etólogos, arqueólogos e intelectuais de várias outras áreas e tendências. Como resultado dessa atuação temos, hoje, uma visão mais clara e objetiva da evolução humana, das cavernas primitivas para a atual sociedade pós-industrial: a da alta tecnologia.

Ao lado de Jean-Paul Sartre, Bertrand Russell, Albert Camus, Albert Schweitzer e Oswald Spengler, entre tantos e tantos e tantos pensadores, um emerge com especial destaque, pela objetividade, clareza de raciocínio, acessibilidade do que escreveu e argúcia de suas conclusões. Refiro-me ao inglês Arnold Toynbee, citado por tantos, mas contestado por muitos que, sem conhecerem a fundo suas colocações sobre o passado dos povos e sobre as razões que levaram determinados deles a evoluírem material e intelectualmente e outros a regredirem, até desaparecerem e serem esquecidos como se nunca tivessem existido (e há vários desses casos), distorcem-nas e as apresentam de forma, não raro, oposta ao que o ilustre historiador as concebeu.

Há, em muitos círculos intelectuais, mau entendimento sobre alguns conceitos básicos que envolvem a história e a organização econômica, política e social dos povos, tais como os de país, de cultura, de civilização, de progresso e de decadência, entre tantos outros. Eles são, salvo exceções, mal definidos. A maioria das definições carece de clareza, de transparência e de objetividade. Tais conceitos são, geralmente, expostos com excesso de retórica, em detrimento da compreensão. Como ocorre em outras tantas disciplinas, existem várias correntes de pensamento, defendendo posições conflitantes e os seguidores de cada uma delas mantêm-se irredutíveis em torno das “suas verdades” particulares. Estabelecem-nas, não raro, até como dogmas. Convenhamos, esta não é a atitude que se espera de um “cientista”, em seu sentido lato, que tem na dúvida seu procedimento padrão e que só cede espaço à certeza após a devida e inquestionável comprovação.

Entre os vários estudos que li, abordando o conceito de civilização, o que mais me convenceu, pela objetividade, foi o de Arnold Toynbee. Essa, aliás, foi a característica que o distinguiu dos demais, foi seu distintivo, sua marca registrada, seu “selo de qualidade”.  O historiador inglês foi, antes e acima de tudo, objetivo.

Não tivesse feito mais nada, além da sua extraordinária coletânea “A study of History”, em 12 volumes, já teria mais do que justificado a fama e a reputação que gozou. Mas fez e muito. Sua obra é vasta, consistente, objetiva e caracterizada por análises claras e argutas. Poucos dos seus livros, todavia, foram traduzidos para o português e lançados no Brasil (infelizmente). Contudo, além do “Um estudo de História” (publicado em edição resumida em 1987), você pode encontrar nas boas livrarias e nas melhores bibliotecas os seguintes: “Atrocidades turcas na América” (escrito em parceria com Lord Bryce), “A humanidade e a mãe Terra” e “Escolha a vida” (em parceria com o líder budista Daisaku Ikeda, lançado pela Editora Record).

Arnold Joseph Toynbee nasceu em Londres, em 14 de abril de 1889. Além de historiador, destacou-se por intensa atividade acadêmica, principalmente como professor, tendo lecionado, por muitos anos,  em universidades britânicas, do Canadá e dos Estados Unidos  Teve, também, vivência política, servindo como assessor no Ministério de Relações Exteriores da Inglaterra em um período crucial para o país, ou seja, o compreendido entre as duas guerras mundiais. Nessa função, participou,como delegado, das duas históricas conferências de paz de Paris:  a de 1919 e a de 1946.

No campo da pesquisa, dirigiu o Instituto Real de Relações Internacionais – instituição voltada ao estudo do relacionamento entre países para determinar causas potenciais de conflitos e formas de prevenção – onde pôde formar uma visão de conjunto que contribuiu decisivamente para que elaborasse sua consistente tese sobre a ascensão e queda das várias civilizações que existiram (e existem) através do tempo. De 1919 a 1924, foi titular das cátedras de “Cultura Bizantina”, “Literatura e Língua” e “História Grega” na Universidade de Londres.

“A study of History” não foi publicada de uma só vez. Sua publicação ocorreu em três etapas. A primeira consistiu na condensação da sua tese de como entendia a História, em seis volumes, lançada em 1946. Outros quatro tomos foram publicados em 1957, nos quais ampliou sua análise a propósito, aprofundando-se em temas em que havia apenas esboçado conclusões. Finalmente, “A study of History” ficou completa e ganhou sua conformação final, como a conhecemos, em meados da década de 60 do século XX, com o lançamento dos dois volumes finais, onde demonstra magistralmente sua tese com base em todos argumentos expostos anteriormente.

A proposta central de Toynbee pode ser resumida assim, grosso modo: “São as sociedades ou civilizações as unidades capitais para o estudo da história e não os países ou os períodos históricos, como a imensa maioria dos historiadores faz. Examina, com meticulosidade científica, o processo de nascimento, crescimento e queda das várias civilizações, com as respectivas causas e conseqüências, e sempre sob  perspectiva global”.

Ao se aposentar, em 1955, Arnold Toybee fez o que muitos de nós sonhamos e raramente conseguimos: viajou pelo mundo, observando comportamentos e culturas e escrevendo a respeito. Reuniu suas impressões em um livro, intitulado “Uma jornada ao redor do mundo”. Nessa obra, registrou observações, não raro pitorescas e intrigantes, sobre diversos dos países que visitou. Quanto ao Brasil, por exemplo, definiu-o como uma espécie de “caldeirão de culturas e etnias” que se misturam e se transformam, mistura essa que ainda não está concluída e que não se sabe ainda, portanto, no que irá resultar. Tanto pode se produzir algo novo, evolutivo, saudavelmente peculiar e absolutamente revolucionário, quanto pode não dar em nada e não passar de imensa anarquia, de incompreensível e caótica confusão.

Boa leitura.

O Editor.
            
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Um comentário:

  1. Essa declaração foi feita há 53 anos. Será que alguma coisa mudou? Será que o caldeirão ainda tem coisas para mostrar?

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