sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013


Sogra

* Por Rodrigo Ramazzini

- O trio é fogo! Essa era a referencia repetida quando o assunto envolvia o Rubiano, o Serginho e o Valdemar, mesmo dentro da própria família. Logicamente, apenas as suas esposas, que eram irmãs, não sabiam de tal “denominação”. De resto, a fama já tinha ultrapassado qualquer limite. E, tudo isso, tinha apenas uma razão: a turma gostava da boemia e das noites estreladas. Uma vez por mês eles davam um jeito de se reunirem e aprontarem alguma. O futebol era a desculpa mais usada para saírem juntos. Por aí, se pode imaginar as histórias e as confusões em que já se envolveram, e, inexplicavelmente, conseguiram até hoje escapar ilesos de todas. Inclusive, na vez em que o Serginho se envolveu em um acidente de carro na saída do motel e passou na televisão, ele se livrou... Teve a vez em que o Valdemar disse que iria a uma partida do Grêmio e na volta para casa errou o placar do jogo, que foi publicado com ênfase nos jornais do dia seguinte, enfim...

Mas, essa maré de sorte do trio parecia ter virado. Era uma sexta-feira. E não era 13. O plano da noite a ser colocado em prática apontava para irem ao ensaio de uma escola de samba na cidade vizinha. Música, cervejas geladas e mulatas e loiras sambando. Tudo que queriam naquela noite. - Isso aqui é o paraíso! Exclamou Valdemar logo na chegada. Porém, o destino daquela noitada levada a um lugar oposto.

Logo que chegaram ao local que os primeiros problemas apareceram. Uma amiga da esposa do Rubiano estava lá. Ele tentou se esconder, mas não obteve sucesso. Ela o avistou e apontou-lhe o dedo como quem diz “tu aqui, vou te entregar...”. Pensaram em ir embora, mas o estrago já estava feito. Era aproveitar e “deixar a casa cair” depois. Sentados ao redor de uma mesa, Rubiano concordou, mas não conseguiu ficar à vontade com aquela situação. Foi então que Valdemar fez o comentário:
 - Não é essa aí que é amante do dono da joalheira?

Bingo. Achara a saída. Nada melhor do que a chantagem para obter o silêncio. Valdemar levantou-se e foi em direção à mulher. Trocou meia dúzia de palavras ao “pé do ouvido” dela e voltou sorrindo. A tática aparentemente dera certo...

Aliviados com a resolução do problema surgido na chegada ao ensaio da escola de samba, a turma sentou-se ao redor de uma mesa e começou a beber uma merecida gelada. Lá pela quarta garrafa, já entrando no clima do ziriguidum e no sacolejo das passistas, ao olhar para o lado e avistar uma pessoa, estático e sem acreditar no que vira, Rubiano bateu no ombro do Valdemar e perguntou, pressentindo que um novo problema acabava de surgir:
- Meu! Por favor, me diz que essa de vermelho, bem à tua direita, não é a nossa sogra!

Assustado e sem qualquer tipo discrição, Valdemar virou-se e teve apenas a reação de dizer:
- Putz! Caiu a casa...

A sogra, vendo o trio sentado, rumou até a mesa. Dona Nêna, assim chamava-se. Viúva e independente, era de conhecimento público que ela também gostava da noite. Vivia em festas e bailes, mas nunca tinha cruzado com os genros, por isso a apreensão de como seria a sua reação ao vê-los na boêmia. Foram segundos de angústia dos três mosqueteiros até Dona Nêna abrir a boca e dizer:
- E aí, rapazes! Tudo bem? Muito bom aqui, né? Bom! Só vim cumprimentá-los, afinal, vocês não saíram com a mala da sogra. Divirtam-se, não bebam muito e comportem-se, hein?

Falou e saiu sorrindo. Rubiano, Serginho e Valdemar ficaram mudos. O máximo que fizeram foi esboçar um sorriso. Não esperavam esse tipo de compreensão da sogra com noitadas. Olharam-se e Rubiano quebrou o silêncio:
- A gente não conhece a “véia”! Realmente, não conhece...

Valdemar e Serginho concordaram. Apesar dos anos de convivência, a relação entre o trio e a sogra sempre foi regido pelo lema “sogra é sogra e vice-versa!”, com toda a carga que o termo traz.  E, assim a tratavam. Com muito respeito, mas sem muita intimidade.
Refeitos do susto, Serginho foi buscar mais uma cerveja. Quando retornou ainda em pé ao redor da mesa, cogitou novamente em irem embora.
- Agora! Vamos ficar! – Decretou Valdemar!

Não foi a decisão acertada. Cerca de quinze minutos depois, como um trem desgovernado, em fila, as três esposas rasgam a multidão em direção à mesa do trio. Quando chegam, bufando, a mulher do Rubiano, batendo na mesa e dando-lhe uma “bolsada”, questiona:
- Bonito, Rubiano! Cachorro, sem vergonha! Safado! Futebol com os amigos, hein? É isso aqui? No meio dessas vagabundas? Quero ver me dar uma explicação agora?

A pergunta final ganha o apoio de dois “eu também” das outras duas esposas. Segundos de silêncio. Não havia explicação. Rubiano tentou iniciar um – Não é isso que estão pensando... Mas, foi interrompido quando ecoou em alto tom a indagação em meio ao tumulto:
- Posso saber que confusão é essa aqui?

Como um coral, o que se ouviu a seguir foi:
- Mãããããe!

Dona Nêna, a sogra, surpreendentemente, interviu na situação para alívio do trio boêmio. Segurando duas garrafas nas mãos, diante do silêncio, ela questiona novamente:
- Alguém vai me explicar que confusão é essa ou não?

A esposa de Valdemar inicia a resposta, questionando:
- Mãe! O que a senhora faz aqui? A senhora sabia que eles estavam aqui?
- Claro! Fui eu quem convidou! Respondeu Dona Nêna.

Com a resposta, as esposas “desarmaram”. Valdemar, Rubiano e Serginho, mesmo sem entenderem a “ajuda”, ficaram aliviados. E, com a maior naturalidade e forte dose de “cara de pau”, Rubiano completa a frase da sogra:
- Era o que ia começar a explicar a elas, Dona Nêna!

As filhas da Dona Nêna não hesitaram e pediram mais explicações da mãe, que com irritação, lascou:
- Vocês atrapalharam tudo! Estávamos reunidos elaborando uma festa surpresa em comemoração aos cinco anos dos casamentos de vocês no próximo dia 18!

Para economizar, os três casamentos foram realizados no mesmo dia. Valdemar casou-se com Maria depois de 13 anos de namoro. Rubiano trocou alianças com Maristela após sete anos juntos. E Serginho, depois de dois anos na “família”, juntou as escovas de dente com a Marla.

A afirmação da Dona Nêna ganhou ares de decreto. O trio de esposas quase pediu desculpas públicas pelo ato, enquanto o trio “boêmio”, por telepatia, pensou a mesma coisa: “Bah! Tinha esquecido este lance do casamento”.

Mesmo com tudo aparentemente resolvido, os casais decidiram ir embora. Menos Dona Nêna, que ficou na festa e, ainda, despediu-se dos “meninos” com uma piscada de olhos, deixando-os intrigados.

No dia seguinte. Ao chegar à casa da sogra, Rubiano foi o “premiado” em descobrir os motivos da ajuda do dia anterior. Dona Nêna narrava o fato a uma vizinha pelo muro, sem perceber a presença do genro.
- Ajudei os meninos! E ajudaria de novo, sim! Eles fazem tudo pelas minhas filhas. Dão tudo do bom e do melhor para elas. Elas são felizes! E não vai ser uma noitada que vai acabar com os casamentos. Digo isso de experiência própria... Tu lembras como o falecido Valdir me aprontava. Pois é... Mas, era um ótimo marido!

Pronto. Estava tudo esclarecido. “O falecido meu sogro gostava da noite, por isso a compreensão da Dona Nêna”, pensou Rubiano. Ainda, descobriu que o trio tinha praticamente “passe-livre” para cair na gandaia com a sogra. Era só administrar e não passar dos limites. Logo telefonou e contou a novidade para Serginho e Valdemar.

Mesmo sabendo dos motivos que levaram Dona Nêna a agir daquela forma na noitada do samba, desde então, para não arriscar e por precaução, afinal, não é sempre que se ganha uma aliada desse porte, o trio passou a tratá-la como uma “deusa”. Era a sogra pedir algo, que um dos três saía desenfreado para atender ao pedido. Sem contar que viraram motoristas particulares dela. Era uma briga e um “eu levo prá”, “eu levo pra lá” a toda hora. E sempre que o trio “vai cair na noite” novamente, um deles telefona antes para Dona Nêna e, em código, avisa:
- Precisamos de benção hoje, minha sogra!

Com um sorrisinho no rosto, ela responde:
- Vocês não têm jeito mesmo... Benção, meus filhos!

* Jornalista e contista gaúcho

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