segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A doce fronde da matriarca

* Por Daniel Santos

Quando minha avó morreu, corri para os fundos da casa, desembestei ribanceira acima e, lá no alto do vale onde morávamos, me abracei com uma portentosa paineira para chorar até o esgotamento.

Chorei muito mesmo, porque perdera de vez minha velhota querida. Nunca mais seus bolos, nunca mais seus pães-de-minuto, nunca mais seus dengos, seus mimos e, principalmente, nunca mais suas aulas de botânica!

Ela não cuidava do colesterol, mas, em compensação, me fascinava com idéias únicas, absurdas. Por exemplo, quando lhe dava na telha, enchia as árvores de laçarotes e pendurava nelas os brincos de minha mãe.

De uma vez, quando o pé de camélias rebentava de flores, ela colocou em seus galhos todas as crisálidas que encontrou no jardim. Depois, deitamos os dois na grama e esperamos pelo grande espetáculo.

Por volta do meio-dia, quando o sol era todo regozijos, as borboletas nasceram e bateram asas uns 10 minutos antes de voarem. Aos nossos olhos, a cameleira parecia tremer de emoção como uma noiva!

De outra vez, vovó me acordou bem cedo e disse “vem cá!”. Saímos pela porta da cozinha, ela catou minhocas no chão e subimos pelo abacateiro até um pequeno ninho feito de gravetos e de folhas secas.

Era o ninho de um sanhaço – explicou. Lá dentro, quatro filhotes ainda de olhos fechados abriam os bicos na espera do alimento! Uma a uma, dei-lhes as minhocas e entendi, na prática, a importância do cuidar.

Cada aventura no jardim com minha avó resultava em prazerosa lição. Com ela, por exemplo, perdi o medo das abelhas e aprendi a tirar o favo de mel da colméia sem experimentar a dor de uma ferroada sequer.

E tamanha a sua autoridade que não duvidei quando me segredou ser irmã da paineira acima do vale. Irmã? – não entendi. É que, 90 anos antes, quando nasceu, seu pai plantou aquela árvore para crescerem juntas.

Lembrei desse parentesco, enquanto chorava na árvore. De repente, com o vento, caiu sobre mim um floco de paina tão branco quanto o cabelo da vó. Guardei-o no travesseiro. Ali, confortarei meus sonhos para sempre.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

Um comentário:

  1. Quem algum dia se esquecerá de uma avó assim? A minha não tinha ideias bizarras e ainda assim não a esqueço. Volta e meia me pego falando dela e das suas particularidades. A minha não viveu 90 anos, indo embora 14 anos antes. A parte dos casulos me emocionou porque eu fui uma observadora do nascer de borboletas. Tudo ficou lindo! Adorei esta avó.

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