segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Tudo passa, o que fica é sentimento

* Por Daniel Santos

Em meados de dezembro saí em férias da cidade e, ao regressar na segunda semana de janeiro, soube de uma história ... Não sei se alegre ou triste, talvez alegre e triste a um só tempo, mas acima de tudo tocante.

Tocante, porque se refere ao imbatível poder da inocência para reanimar criaturas já vencidas pelo desencanto. Tal aconteceu a um grande amigo que, em estado de desespero, recebeu a visita do anjo. E se salvou!

Marido dedicado a uma esposa que tinha olhos apenas para ele, perdeu-a subitamente duas semanas antes do Natal, vítima de um desses males cardíacos, e seu único desejo era, então, meter uma bala na cabeça.

Só não o fez, porque caberia a ele cuidar do filho de cinco anos, a quem pretendia surpreender na noite santa. Para tanto, chegou a comprar uma roupa de Papai Noel para se fantasiar durante a entrega dos presentes.

A viuvez, no entanto, não lhe dava ânimo para nada e, no auge da apatia, chegou a revelar ao filho que o velho Noel não existia, era pura invencionice de gente desocupada que gosta de iludir as criancinhas.

Mas o menino era mais esperto e descobriu a fantasia vermelha amarfanhada no fundo do armário. Assim, na noite de Natal, enquanto o pai choramingava na penumbra da sala, o filho começou a se vestir.

Primeiro, a calça, cujas pernas ele meteu dentro das botas. Depois, a jaqueta, a peruca branca, o capuz, o bengalão e, por último, a barba que, grande demais para seu rosto, caía sobre o peito como um babador.

Assim arrumado, ou tão arrumado quanto conseguiu, saiu do quarto e entrou na sala de braços abertos para surpreender o pai com a boa nova: Papai Noel existia, sim! E, de uma corridinha só, se jogou no colo dele.

Do desencanto, o homem emergiu radiante e emocionado para um estado de graça que lhe aliviou o desamparo: abraçado ao seu neném-Noel, recebeu o melhor presente de Natal: a esperança em melhores dias.

Porque, afinal, tudo passa. O que fica é o sentimento, essa capacidade de se emocionar, de abraçar o próximo e desejar simplesmente um “Feliz Natal”. Isso mesmo: um “Feliz Natal” para todos nós.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

Um comentário:

  1. Mexe e vira, mesmo os mais descrentes continuam se emocionando com as transformações que só acontecem no Natal.

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