quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Quem tem culpa de eu ter um problema genético?

* Por Mara Narciso

É comum a pessoa queixar-se de problemas hereditários, lamentando doenças herdadas, porém se esquece do que vai deixar para os seus descendentes, ou ao contrário, sentir-se amargurado por ter causado sofrimento ao filho, transmitindo-lhe uma doença ou deformidade.

Uma mulher chega mancando. Operou o joelho direito e ainda está em recuperação. Pede ajuda, qualquer ajuda, e parece desencantada. Não acredita que a medicina a possa ajudar. Queixa-se de dor de cabeça e em todo o corpo, e de perda da visão no olho esquerdo. O oftalmologista a enviou com suspeita de hipertireoidismo, pois tem os olhos salientes e a tomografia dos globos oculares mostrou-se normal. Os exames de tireóide também estavam dentro da referência. Após entrevista, exame clínico e verificação dos exames de sangue, ficou afastada a possibilidade de problemas na tireóide.

Na sequência, informa que criou sozinha aos três filhos, pois se separou quando o mais novo, de 18 anos, nasceu. Depois de tudo, me mostra as fotos da prole. O último é idêntico à mãe, com os olhos afastados e salientes, achatamento do centro da face, lábio superior pouco desenvolvido, assim como o queixo curto, e a cabeça de formato anormal. Teve os ossos do crânio operados quando tinha um ano, por que nasceu com as suturas (moleira) da cabeça fechadas. Depois de várias brigas, ele não fala mais com a mãe. Sente-se rejeitado pela sociedade, e por isso a maltrata. Afirma que a culpa de ele ser assim, ter aquela aparência grotesca é dela, portadora das mesmas características. Pelas fotos, observa-se que os outros dois filhos, um rapaz e uma moça, são normais. A mulher acha que o filho rebelde não é feio, e informa que ele é o melhor dos três nos estudos.

Continua insistindo em saber o que realmente tem. Precisa entender para dar explicações e justificar-se diante dele. Diz que a sua aparência pessoal a desagrada, mas apesar disso, fez tudo aquilo que precisou, inclusive se casar. Não se lembra de perseguições escolares, embora seja difícil de acreditar. Pergunto se, numa hipótese, os dois primeiros filhos tivessem nascido iguais a ela, se teria tido o terceiro. Confessou-me que não. Falei que ela tinha uma síndrome genética e o filho tinha herdado dela o mesmo problema.

A Síndrome de Crouzon ou Disostose Crânio-facial tipo 1 é uma síndrome genética rara, resultado de uma alteração no cromossomo 10, podendo ser diagnosticada antes do nascimento. Como os ossos se fecham precocemente, na face e no crânio, há uma desproporção facial, com falta de harmonia nos traços. O crescimento anormal da face impulsiona o globo ocular para fora, devido às órbitas rasas. Com pouco espaço para crescer, o cérebro deforma o crânio. Pode haver alterações dentárias de número e tamanho, com defeitos na oclusão, e em alguns casos há perda auditiva por má formação do ouvido médio. Pode ocorrer fronte larga e achatamento da nuca, problemas respiratórios, assim como leve retardo mental. O tratamento consiste em abrir as suturas cranianas para possibilitar o crescimento do cérebro, e evitar hipertensão intracraniana, como também intervenções estéticas complexas e multidisciplinares. O resultado propicia uma melhor aceitação social.

A Síndrome de Crouzon afeta a visão, audição e respiração, e quando um dos pais é acometido, há 50% de chance de se passar para a prole. No Brasil nascem por ano cerca de 50 crianças com o problema. Não há cura, mas podem ser feitas as correções cirúrgicas, bastante dolorosas, com melhora da face. Importante diagnosticar complicações de forma precoce para impedir maiores problemas, assim, devem ser feitas consultas com regularidade.

Muitos não toleram, e convivem mal com o diferente. A rejeição pôde ser vista tempos atrás, após o nascimento da filha de Roberto Justus portadora da síndrome. Foi colocada numa rede social uma foto da menina, e os comentários foram selvagens. Pessoas agiram não como animais, pois comparar essa gente a eles é ofender os bichos, mas como monstros. Não respeitaram a criança.

Não há culpas, não há culpados e todos precisam ser respeitados. Até mesmo você e eu. Vamos tentar?

Vídeo mostra um resultado cirúrgico em 9 minutos.

Copie e cole o link no seu navegador: http://www.youtube.com/watch?v=GnP12pX1T9s

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade” – blog http://www.teclai.com.br/

3 comentários:

  1. A pior das deformidades é a ignorância...
    Ótimo texto Mara.
    Abraços.

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    1. Procurar esclarecer para evitar julgamentos infundados.
      Ainda que se negue de um lado e de outro não se possa provar, quem já viu uma criança com uma síndrome, viu todas, pois são muito parecidas. Vamos nos respeitar?

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  2. Mais um texto lúcido, esclarecedor e reflexivo. Que 2013 nos traga outros de sua privilegiada pena. Feliz Ano Novo, Mara! Um beijo pra você.

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