quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Mal-entendido? Bem-entendido!

* Por Mara Narciso

O meu amigo Pedro Bondaczuk, jornalista e escritor em Campinas, diz que a fala e a escrita são tudo no universo humano e é preciso zelar por elas e o bom-entendimento do que é dito e principalmente escrito. Nós, que trabalhamos produzindo textos, temos por missão preservar a língua e o bem-falar, evitando erros, como também não escrever uma coisa para entenderem outra. É o meu permanente esforço.

José Roberto Guzzo, que escreve na última página de Veja escreveu sobre gays, paradas e orgulho e que um relacionamento gay não é e nem nunca será um casamento. Que uma pessoa pode ser apaixonada e relacionar-se com uma cabra e ainda assim isso não poder ser considerado um casamento. Também escreveu mais coisas referentes ao terceiro sexo, que ninguém é obrigado a gostar de homossexuais, assim como não se pode exigir que a população goste de espinafre. Cada um que leu entendeu como conseguiu. Muitas mensagens de protesto foram enviadas à revista. Então, vieram as explicações. Culpados foram aqueles que entenderam o que lá estava escrito. Como diz meu filho Fernando: “Quem precisa dar explicações já está errado”.

Noutros casos, nas entrelinhas, o texto pode ser obscuro, mostrando uma coisa, porém, sugerindo outra interpretação, trazendo diversas possibilidades de entendimento e debates. No dia-a-dia, num grupo de pessoas, o natural é que cada um pense da sua maneira. Estranho seria se todos pensassem da mesma forma. Há gente com espírito de liderança, e a mania de querer construir a opinião alheia (os pomposamente chamados formadores de opinião), como também aquele de argumentação frágil e facilmente influenciável, ou o que bajula e só sabe dizer sim. No entanto cada um é único, pois teve experiências diferentes (pessoalmente, leituras, conselhos) sobre o tema. Daí se pensar e agir de maneira tão diversificada.

Em algumas situações, justamente pelos pontos de vista opostos, a temperatura sobe, uma ou várias pessoas se inflama e de forma nada cortês passa a defender sua posição de maneira dura. Isso quando não apela, ofendendo o oponente. Nas exposições sobre futebol, política e religião, é raro não acontecer defesas exaltadas. No entanto, aí estão três assuntos que devem ser bastante discutidos, dada sua relevância, porém sem brigas.

Uns dizem que é ponto de honra cair de pé, sem concordar com o adversário. Outros desistem logo, preferindo largar de lado, porém sem se dar por vencidos. Ainda outros avançam sobre seu antagonista momentâneo para obrigá-lo a concordar com aquilo que estão dizendo. Estes não precisam apenas mostrar sua opinião, mas sim vencer a discussão. Necessitam convencer aos demais que o seu modo de pensar é o correto e por isso inquestionável. Não raro acontecem agressões verbais, escárnio e até agressões físicas. Sem contar casos extremos em que a pessoa busca uma arma, e mata seu opositor, agora na condição de inimigo.

Quanta ignorância! O que importa a você, ao pé da letra, o que está na cabeça do outro? Que importância tem se os neurônios e conexões elétricas e químicas pensam dessa ou daquela forma? A sua vida vai mudar por isso? Para que ficar tentando vender o seu pensamento como o único possível?

Escrevo minhas reflexões para fomentar uma possível discussão, e não mudar a maneira de o outro pensar. É como refletir em público, é falar em voz alta, nada mais. Não é exibicionismo, ou vontade de modificar o mundo, ao mesmo tempo em que pode ser tudo isso e muito mais. Quanto a ler, outro hábito, é uma maneira de entrar na cabeça do escritor e capturar o que ele pensa, favorecendo-me o crescimento intelectual. O mundo seria bem menor sem essa possibilidade.

Então, você diz uma coisa numa conversa informal, mas quem ouve entende o oposto e se irrita. Nunca o contrário pelo lado do bem, mas pelo lado da deturpação, da ofensa. O torcer palavras geralmente não é para imaginar que o outro diz maravilhas, mas exatamente seu inverso. Nesses mal-entendidos, quando ofendemos sem querer, fica um grande mal estar, e nem sempre é possível esclarecer ou pedir desculpas. Ser ofendido é péssimo, mas ofender sem intenção é ainda pior. Quando a pessoa está sob efeito alcoólico ou de drogas, muito alterada, o melhor é o oponente se calar no mesmo instante. Quanto ao fogo cruzado, dizem que não dói. Mas, para quê machucar o outro? A ideia de vingança pode deixar a pessoa obcecada. O resultado é a desconstrução.

Quando ficarem pendências entre pessoas, e persiste aquele mal-estar pelo que se falou, quando tudo se acalmar, voltar ao assunto e acertar tudo. Devemos pensar na loucura e inconsistência que é tentar domar pensamentos, crenças e preferências alheias. Vivam a democracia e a liberdade de expressão, porém de forma ordeira e civilizada!


*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade” – blog http://www.teclai.com.br/

4 comentários:

  1. A liberdade de expressão deve ser usada com responsabilidade, sempre.
    O problema é que os " pretensos" formadores de opinião, não são todos, por favor, acreditam ter procuração para pensar pela humanidade. E muitos escrevem ou só dizem bobagem. Geralmente são os vaidosos que se " acham".
    O jornalismo, antes imparcial, hoje é parcial. E muitas vezes, a irresponsabilidade de um profissional de imprensa pode condenar alguém mesmo antes do julgamento.
    Mas enfim...acho que não era bem o que você escreveu. Resolvi apenas acrescentar.
    No mais, escreve , quem sabe escrever. Seus textos são equilibrados. Você sabe expor sua opinião de maneira clara e sem ofensas. Parabéns sempre, Mara.
    Sim, e claro, escrevemos o que a consciência manda, quanto a interpretação, cada um entende como lhe convém. Ou de acordo com o " mundo" interior.
    Alguns são intolerantes. Outros, questionadores e serenos, já outros não entendem nada mesmo e só querem " encher o saco". Falei.
    Beijos

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    1. O seu acréscimo foi importante, Celamar, pois só toquei no assunto, não chegando ao cerne que é obrigar a quem lê, a pensar igual a quem escreveu. Minha mãe e eu temos (ela teve) uma visão de mundo esquerdista, e Fernando é apaixonado pelos discursos de extrema direita. Tento mostrar-lhe o perigo dessa visão intolerante dos que prendem e arrebentam, não a para que mude seu modo de pensar, mas para que seja mais moderado. Obrigada por comentar.

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  2. Querida Mara, muito obrigado pela generosa (e carinhosa) menção ao meu nome, em seu maravilhoso texto. Concordo com tudo o que você escreveu. Também acho que a discordância de opiniões é saudável, desde que feita com civilidade e respeito (o que raramente acontece). Nota-se que as pessoas não estão em busca da verdade, mas de se sentirem superiores a seus interlocutores. Nestes casos, face quem age com essa brutalidade e autoritarismo, o melhor que se faz é se calar e sair de perto. Afinal, a melhor resposta para um ignorante é sempre o silêncio. Parabéns pelo texto!

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    1. Gosto de ver sua presença nos comentários. Isso me deixa feliz. Não fiz uma citação de frase, pois tenho dentro de mim a sua maneira de pensar. É porque leio você todos os dias há quase quatro anos, e algumas ideias suas já conheço. Não me desgasto falando a quem não quer me ouvir. Meu desejo não é impor, nunca quero impor, e sim ouvir com respeito e ser ouvida assim também. Muitas vezes pensamentos opostos nos chamam a atenção e nos acrescentam muito. Não estou fechada para mudanças. Obrigada, Pedro, pelo comentário.

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