terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Mais uma do Mauro Mota

* Por José Calvino de Andrade Lima

A boemia sempre está associada a um bar. Aqui no Recife existiu um bar chamado Savoy. Pelo Bar Savoy, passaram quase todos intelectuais e figuras proeminentes da região, conforme o excelente livro chamado Bar Savoy, de autoria de Ediberto Coutinho. Os poetas Carlos Pena Filho e Mauro Mota o freqüentavam quase diariamente. O livro contém muitas quadrinhas de Mauro Mota, chistosas e engraçadas, endereçadas aos colegas, nem sempre de natureza muito amena. Mauro Mota bacharelou-se em Direito, mas dedicou-se mesmo ao jornalismo e ao magistério. Era catedrático de Geografia, na então Escola Normal. Grandes mestres passaram por lá e um deles foi Waldemar Valente, professor, médico (se orgulhava de ter sido o primeiro médico pernambucano a aplicar a penicilina), antropólogo e escritor. Mauro e Waldemar eram muito amigos, mesmo assim Waldemar não estava imune às brincadeiras do amigo, como esta que EC conta: Consta que chegou ao porto do Recife um navio de guerra da Marinha britânica. Um grande acontecimento para época. As rádios e jornais se engalanaram com o atracamento.

Um belo dia, Waldemar Valente recebe um estranho telefonema na Escola Normal, logo após uma aula. A pessoa que telefonava, num português macarrônico era o Capitão Felipe Graham, pertencente ao comando da nave da Marinha Real inglesa.

Esse Capitão se disse logo neto de Maria Graham, inglesa notável que vivera no Recife por ocasião da Revolução Republicana de 1817 e sobre a qual Waldemar havia publicado um livro muito louvado pela melhor crítica. O Capitão foi duro: “O senhor escreveu um livro infamante sobre minha avó, Maria Graham. Quero aproveitar o momento em que me encontro no Recife para uma desforra pessoal. O senhor não é valente? Proponho um duelo.”

Waldemar mal podia respirar e teve duas saídas geniais: disse que o Capitão não conhecia a língua portuguesa e por isso julgava mal o livro; e em segundo lugar alegou que as leis brasileiras proibiam o duelo. O Capitão não aceitou a explicação. Estava decidido a tudo. Era uma questão de honra.

Com o sobrenome Valente, não teve outro jeito, a não ser marcar o duelo. Seria próximo ao Savoy e à banca “O Globo”, do jornalista José do Patrocínio. O professor Sylvio Rabello disse logo que era um trote. E, ao que dizem, bom número de professores lá se encontrava.

Final da estória, o Capitão não compareceu. A pontualidade britânica estava desmoralizada. Passados dez, vinte minutos, nada do árdego oficial.

Waldemar, exuberantemente, disse:
- O Capitão teve medo de mim.

Do Bar Savoy surge então Mauro Mota, risonho, logo dizendo:
- Waldemar, o Capitão sou eu.


* Escritor, poeta e teatrólogo. Blog Fiteiro Cultural - http://josecalvino.blogspot.com/

Um comentário:

  1. Maravilha de história. Bem contado, com suspense e alto grau de surpresa no final. Parabéns, José Calvino! Excelente texto!

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