quarta-feira, 21 de novembro de 2012

“Mentiras sinceras me interessam”

* Por Mara Narciso

Vendo pessoas com sorrisos escancarados em fotos, grupos grandes altamente festivos, penso na veracidade daquelas alegrias e amizades. Até que ponto os que se reúnem em volta de uma mesa para comer e beber estão sendo sinceros, em turmas de colegas, amigos ou familiares? Há quem seja naturalmente sorridente, mas os que sorriem o tempo todo por nervosismo, por não saber o que dizer, por se sentirem tímidos ou para angariar simpatia, quantos serão? A sociedade exige felicidade em tempo integral, muitos amigos e sucesso. Então, quem não os têm utilizam-se de rasgados elogios para conquistá-los.

Nesses tempos de redes sociais, de exposição absoluta, de trocas aparentemente afetivas entre desconhecidos, até onde vai a sinceridade e começa a adulação para ser aceito? Ainda que não de forma declarada, as classes sociais vão se delineando na internet. Há os que postam sua rotina e os que aplaudem. Essa casta superior não se dá ao trabalho de responder a sua leva de súditos, que o bajulam. Dizem que o bajulado é tão defeituoso quanto seus bajuladores. Torna-se um dependente e refém de quem faz a sua corte.

Elogios sinceros e desinteressados temperam a vida, desde que a pessoa não se vicie e nem espere por eles para se sentir bem. O falso louvor machuca quem assiste, enaltece o bajulado, e faz o bajulador esperar por recompensa. A sinceridade grosseira precisa ser evitada, mas a adulação interesseira faz estrago pior.

Quem ocupa cargos importantes, tem dinheiro e poder, percebe certo grau de falsidade ao seu redor. Dá nojo ver o servilismo de subalternos, nem tão subalternos assim, em busca de visibilidade, reconhecimento pela servidão, dada por segundas intenções, em vistas a algo que o adulado tem, e que vai fazer diferença ao adulador.

Nas grandes corporações é de praxe alguma forma de louvação exagerada para ganhar promoção. Algumas áreas aceitam os elogios vistosos como estratégia de funcionamento, por exemplo, o marketing. Nem sempre isso pega bem. A mentira semi-explicita agride ouvidos sensíveis, gerando desconfiança ainda maior.

A pessoa que recebe a bajulação tem de si mesma uma ideia de grande capacidade, e se vê merecedora dos elogios que recebe, e assim o ciclo se fecha e a falsidade ganha corpo, chegando às alturas. Vista desse ângulo, sobre o quê se estrutura a nossa sociedade? Rapapés, beijos na mão, falsa admiração, elogios vazios, fala melosa na frente, e uma mão estendida atrás, à espera de benesses, são alicerces sociais confiáveis?

Como temperar e dosar sinceridade e agrados, verdade e política de boa vizinhança? Como ser carinhoso, atencioso e simpático entre amigos, familiares, ou entre o casal, sem parecer interesseiro? Muitos não conseguem esse equilíbrio, e boa parte do que dizem parece fazer média com vistas em benefício posterior. A franqueza educada é bem vinda entre amigos. Notar os defeitos e mencioná-los de forma sutil, ajudar o outro a se levantar e mudar é ser um bom amigo. Cercar alguém com fartas congratulações, no íntimo, pouco reconhecidas por quem as diz, é ser falso, deletério e fingido, adjetivos estes, bem pouco recomendáveis.

Quanto aos políticos recém-eleitos, que logo mais iniciam seus mandatos, é ainda mais difícil separar quem é quem, até mesmo os que trabalharam gratuitamente pela sua eleição devem pleitear ganhos pós-apuração. Quem tem dinheiro desconfia dos aproveitadores, e quem não tem fica, em tese, mais sossegado. Só se aproximam dele quem gosta das suas características, e usufruir da sua companhia e presença já é suficiente para uma troca satisfatória. Os relacionamentos humanos tornaram-se muito complexos, e arriscam-se todos aqueles que jogam de peito aberto, seja aonde for.

Muitos elogiam e presenteiam de maneira sincera, por gostar do presenteado e querer agradá-lo, mas, ao mesmo tempo, a sociedade de consumo recebe e absorve sorrisos de mentira, presentes desconcertantes e falsos amigos. A dose certa de veracidade necessária a sua vida cabe a você determinar. Separar o que convém e o que destrói, é arte para os sábios. Saber escolher quem merece o quê e pagar com a dose correta não é para quem pode, é para quem consegue. E que os interessados encontrem suas medidas adequadas. Estou procurando as minhas.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade” – blog http://www.teclai.com.br/

4 comentários:

  1. Um verdadeiro tratado sobre o "espinha curvada", essa praga infiltrada em tudo quanto é lugar. Ótimo texto, Mara.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O mais interessante é que o tema levou muita gente conhecida a reflexão e a considerar a possibilidade de ter sido a minha musa inspiradora. Não, ninguém serviu de inspiração. Fiz um apanhado das adulações e falsidades de um modo geral, genérico e universal. É bom para fazermos o "mea culpa" e reduzirmos o que está exagerado. Obrigada pela passagem e comentário, Marcelo.

      Excluir
  2. Aqui mesmo um homenageado numa reunião de... e recebeu do orador que faria a saudação, incontáveis elogios.
    "Viu como ele foi generoso comigo?" - disse o homenageado.
    "Ele foi apenas sincero." - disse um dos presentes. Embora há sempre uns bajuladores medíocres em volta dos poderosos.
    Gostei, Mara!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muitos elogios são sinceros, mas outros não são. Melhor descer do salto alto e aceitar o nosso tamanho real em todas as situações. A gente se amar, é bom, só não pode ser de maneira incondicional. Críticas construtivas e elogios podem ser estimulantes, desde que não sejam imprescindíveis. Obrigada pela manifestação, José Calvino.

      Excluir