quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Homem dos mil gols

* Pedro J. Bondaczuk

O atleta do século XX completou 72 anos de idade, neste 23 de outubro de 2012 (mesma data do centenário do pioneiro vôo de Santos Dumont, com o seu “14-Bis”, no Campo de Bagatelle, em Paris) esbanjando dinamismo e vitalidade. Como o tempo passa! Ainda ontem, que já não é tão ontem assim, vi-o menino, no verdor dos 17 anos, se consagrando como campeão mundial nos gramados da Suécia. E já se passaram 58 anos dessa façanha, uma vida!

O ex-ministro e cidadão do mundo Edson Arantes do Nascimento, o Pelé dos quase mil e trezentos gols, é um fenômeno, não apenas esportivo, mas como indivíduo. Há quem o critique, que tente uma espécie de “linchamento moral” pela demora em reconhecer a filha Sandra, gerada fora do casamento, falecida em 2006. Puro despeito. Ou preconceito. Ou falso moralismo. Ou desbragado cinismo. Enfim...Deixa pra lá!

De origem humilde, o menino pobre, nascido em Três Corações e que começou a luzir em Bauru, freqüentou castelos e palácios. Tendo deixado os campos há quase 40 anos, continua sendo assunto em todas as partes do Planeta. É, como disse o saudoso jornalista Armando Nogueira, "o único jogador do mundo que, mesmo estando há anos sem fazer um único gol, continua sendo aplaudido como se acabasse de fazer um, de placa". Freqüenta, hoje, gabinetes governamentais e salões dos poderosos com o mesmo desembaraço com que jogava em qualquer campo, gramado ou não, com boas condições de jogo ou enlameado, mostrando todo o talento que Deus lhe deu. E inteligência.

Desde quando Pelé ainda estava na ativa, anunciaram vários substitutos para o seu futebol mágico, no Brasil e no Exterior. Na Copa do Mundo da Inglaterra, a de 1966, em que a Seleção Brasileira deu vexame, disseram que o rei havia sido destronado pelo português Eusébio. Muito bem, o tempo passou. E o que aconteceu? Da geração mais jovem, que anda na faixa dos 30 aos 35 anos, quem sabe alguma coisa desse "herdeiro" da magia e da competência do nosso "Dico" (era assim que rei era chamado na infância, em Bauru)?

Falaram muito de Diego Maradona. Não se pode negar que se tratou de um talento, por tudo o que mostrou. Mas...nem é preciso citar sua vida irregular fora dos gramados para que ele perca na comparação. E Zidane? Chega aos pés do rei? Só na cabeça dos que nunca viram Pelé jogar! Hoje fala-se de Messi e de Cristiano Ronaldo, sem dúvida, dois gênios da bola. Mas para chegarem ao patamar do rei do futebol ainda têm que fazer cerca de 1.300 gols e conquistar três títulos mundiais por suas seleções. Por clubes, já se igualaram a Pelé. Chegarão lá? Quem pode garantir que o que não aconteceu ainda virá, mesmo, a acontecer?

Sem bairrismo ou passionalismo, encarando a questão apenas no terreno esportivo, não há como comparar o futebol desse mago da bola com o de qualquer outro jogador. Basta ver os retrospectos. Quem assistiu Pelé, Maradona e Zidane jogarem, e quem assiste, atualmente, Messi e Cristiano Ronaldo, não tem como deixar de rir, ironicamente, quando são comparados, por maior boa vontade que tenha com os astros argentinos, com o temperamental jogador francês ou com o vaidoso, posto que hábil, craque português.

Falou-se muito, por algum tempo, da facilidade de Romário para marcar gols. Todos os campeonatos de que participou, ou foi artilheiro ou disputou, palmo a palmo, a artilharia. Foi, até recentemente, quando pendurou as chuteiras, o rei das áreas, o verdugo dos goleiros, certo? Como Pelé, ultrapassou a marca dos mil gols, muitos deles marcados em jogos-treino. E mesmo quando atingiu essa marca, ficou ainda cerca de 300 gols atrás do rei do futebol.

Será, pois, que nesse aspecto (pelo menos neste), o de artilheiro, poderia ser comparado a Pelé? Basta citar somente um dado, um único, para mostrar que não. No Campeonato Paulista de 1958, integrando a magnífica máquina de jogar bola do Santos Futebol Clube, o rei foi às redes adversárias por 58 vezes! Isto mesmo. O mesmo número do ano! E tinha na ocasião apenas 17 anos! Quem fez isso, no Brasil ou no mundo? Messi? Cristiano Ronaldo? Maradona? Eusébio? Bob Charlton? Platini? Puskas? Di Stéfano? Roberto Dinamite? Romário? Quem? Ninguém!

Seu recorde de gols foi conquistado não em campinhos de pelada de segunda divisão, mas nos maiores estádios do mundo: Maracanã, Morumbi, Azteca, Parque dos Príncipes, Olímpico de Roma etc. etc. etc. Ou seja, foram feitos diante dos olhos de multidões heterogêneas, a maioria torcendo contra. Muitos foram anotados em partidas oficiais da Seleção. E alguns realmente chegaram a ser antológicos.

Neste caso está o marcado contra o País de Gales, no suadíssimo um a zero da Copa do Mundo da Suécia, quando deu um chapéu em um zagueiro com o dobro do seu tamanho, na pequena área, e mandou a bola para as redes, de bate-pronto, antes que ela caísse no chão. Não contente com a façanha, Pelé repetiu a dose, a mesma jogada, contra os anfitriões, os suecos, e numa final de mundial, na casa do adversário. Tinha, então, só 17 anos.

Pena que na época do seu auge não havia sequer o recurso do videotaipe. Poucos de seus gols (isto em termos proporcionais) constam hoje de arquivos. Os que existem, são de filmes com baixa qualidade de imagem. Ou os de final de carreira, no Cosmos de Nova York. E ainda assim são incomparáveis.

O poeta Carlos Drummond de Andrade, em geral bastante comedido em suas crônicas, não se conteve ao comentar o milésimo gol do rei, em 1969, de penalidade máxima. Foi em cima do goleiro Andrada, do Vasco da Gama (que quase estraga a festa e faz a defesa.). Mesmo não sendo através de uma das jogadas que fazia com perfeição, entrou para a história do futebol, no País onde esse esporte é paixão nacional. E o palco não poderia ser outro. Tinha que ser num Maracanã lotado.

Drummond constatou na ocasião: "Difícil não é fazer mil gols como Pelé; difícil é fazer um gol como Pelé". Aquilo que era sua rotina, hoje é a glória dos jogadores que conseguem anotar um único tento de forma artística, plástica, mágica. São comentados por um mês inteiro quando conseguem. E alguns acabam ficando nesse único, que faz deles astros. Só que por alguns irrisórios minutos... Porque rei do futebol só tivemos um. E não acredito que algum dia apareça outro.

* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk

2 comentários:

  1. Não queria dar o meu pitaco pois de futebol entendo
    "niente" ou patavinas. Meu pai fanático por futebol
    e adorador do Vasco(iac!), sempre acompanhava os jogos e nós por falta de opção em dias de chuva ou castigo, acompanhávamos. Jamais discordaria de seus argumentos, aliás muito bem fundamentados e também não vejo qualquer outro jogador que possa ser comparado a ele, o rei, mas o meu "jogador" sempre será o das perninhas tortas, Garrincha, pura essência em campo.

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  2. Seria tão bom se pudéssemos ver tudo de novo.

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