quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Exageros e idiossincrasias

O genial compositor Johann Sebastian Bach, entre tantas peculiaridades que tinha (alguns classificam-nas, sobretudo, de “manias” ou, no mínimo, de idiossincrasias), apresentava uma determinada e muito especial, que chama particularmente a atenção dos que lêem suas tantas biografias: o seu gosto por caminhadas. Desde muito jovem, percorria, diariamente, longas distâncias a pé. No início fazia isso por necessidade, por falta de recursos para adquirir uma boa montaria e muito menos uma carruagem, na época um luxo, equivalente a hoje se possuir uma Ferrari ou uma BMW, acessível, portanto, a poucos bolsos. Mais tarde, passou a fazer isso por puro gosto. Convenhamos, era uma prática das mais saudáveis, tanto no seu tempo quanto, também, agora. Mas... não precisava exagerar, não é mesmo?

As caminhadas de Bach não eram como essas que alguns de nós fazemos em todas as manhãs (ou em algumas manhãs), de curtíssimo trajeto, em geral de um quarteirão ou dois, ou, não raro, um pouco mais. Eram viagens, da cidade em que morava para outras em que tivesse algum compromisso a cumprir, algumas distantes até mais de cem quilômetros. Uma das primeiras, registradas por um de seus biógrafos, foi a que fez para Lünchbourg, para integrar o coral da Igreja de São Miguel.

Nessas longas caminhadas, Bach parava, frequentemente, no caminho – ninguém é de ferro – para conversar com os camponeses e saber, principalmente, o tipo de música que apreciavam. Não raro, cantava com eles, notadamente canções do rico folclore alemão. Ao compor suas músicas, consciente ou inconscientemente, incorporava fragmentos dessas belas melodias às suas composições, enriquecendo-as sobremaneira. Essas caminhadas podem, pois, ser classificadas, grosso modo, como “pesquisas de campo”, coisa muito comum na atualidade, mas que não existia na época.

A partir de 1722, quando fixou residência em Leipzig, essas viagens a pé tornaram-se menos freqüentes, embora não tenham cessado de vez. É que nesse ano foi nomeado “kantor” (diretor musical) do coro da igreja de São Tomás, dessa localidade, em que, aliás, viveu por 28 anos, até a morte, ocorrida em julho de 1760. Só interrompeu de vez essas estafantes (para nós) caminhadas ao ficar cego. Ainda chegou a ser submetido a uma operação, na tentativa de recuperar a visão, mas... a cirurgia foi mal sucedida. Pudera! Naquela época a Medicina era algo comparável ao curandeirismo ou à bruxaria. Não havia anestesia, antibióticos e sequer práticas elementares de assepsia. Todavia, pode-se dizer que Bach atravessou a pé praticamente todas as cidades da Alemanha (pelo menos as mais importantes) e, em muitas delas, esteve por mais de uma vez. Esse gênio, de comportamento tão bizarro, era ou não era um exagerado? Ora se era!

Se como compositor, Bach era raridade, dessas que surgem, apenas, de quando em quando (posto que não reconhecida pelos contemporâneos), como pai, deixou muito a desejar. Que ele sabia “fazer” filhos, disso nós sabemos, pois gerou vinte e dois. Os que o conheceram, que conviveram com ele e deixaram depoimentos, citados por alguns biógrafos, dizem que ele não era dado ao diálogo. Luterano devoto, impunha sua vontade a ferro e fogo à família, sem admitir a mínima contestação às suas ordens. Era marido repressor e pai ditatorial. Em casa, sua palavra era sempre lei.

Conforme essas testemunhas, Bach tinha um temperamento, digamos, difícil. Introspectivo, fechado, de poucas palavras, não fazia força para ser amado, O respeito já lhe bastava. Contudo, tinha necessidade quase patológica de agradar superiores hierárquicos. Não hesitava em lançar mão do recurso da bajulação, quando considerava isso necessário para agradar os “mecenas”, que lhe garantiam o sustento. Em dezenas de suas composições profanas ficou por demais evidente essa preocupação de agradar os protetores. A despeito disso, todavia, e da enorme quantidade de produções que deixou, não há uma única cuja qualidade possa ser posta em questão e considerada inferior pelos mais exigentes, atentos e detalhistas dos críticos. Sua obra é uniforme, original, revolucionária e única. E sua genialidade era, e sempre será, incontestável. Quanto ao temperamento... os gênios são difíceis de se entender e mais difícil ainda é se conviver com eles. Pelo menos é o estereótipo que os acompanha.

Boa leitura.

O Editor.

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