quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Estirpe de compositores

Algum dos biógrafos de Johann Sebastian Bach (não me recordo qual) já destacou que o compositor foi um homem dado a alguns exageros. Alguns? Eu diria que de muitos! O mais virtuoso deles foi no que se refere à sua produção musical, já que suas composições (as conhecidas, claro) ascendem a centenas, para gáudio dos apreciadores da boa música. Foi, também, como se pode comprovar, “exagerado” na qualidade do que compôs, de tamanha excelência que influenciou (e segue influenciando) algumas gerações de compositores e instrumentistas, tempo e mundo afora. Outro exagero “virtuoso” de Bach, que deve ser destacado, se refere à permanência da sua obra, que segue atual, atualíssima, um par de séculos depois que a elaborou. Assim todos os gênios fossem exagerados dessa forma. A cultura e a arte seriam, obviamente, beneficiadas, além dos seus vorazes “consumidores”.

Todavia, há um tipo de exagero do compositor que talvez nem ele gostasse tanto, pela responsabilidade que implicou. Refiro-me à quantidade de filhos que gerou, e com duas esposas diferentes, de dois casamentos. Foram vinte e dois!!! Ou seja, o equivalente a dois times de futebol completos. Convenhamos, é muita coisa, mesmo se levando em conta que na sua época era comum as famílias terem muitos filhos. Só que não precisava exagerar, não é mesmo? Nem é preciso destacar que esse foi o principal fator que tornou a vida de Bach tão complicada e estressante. Se sustentar, por exemplo, dois filhos já requer tanto trabalho (e naquele tempo as coisas eram bem mais difíceis do que hoje), imaginem 22! Haja recursos para tanto!

É verdade que o compositor teve algumas compensações por essa prole numerosa. Uma delas foi o fato de quatro de seus filhos haverem herdado seu talento e um deles, Karl Phillip Emanuel Bach chegou a superá-lo em fama e prestígio. Entre outras façanhas, foi o introdutor da sonata-forma na música erudita da época, pondo fim ao período da polifonia (ironicamente a obsessão do pai), abrindo caminho para a projeção, entre outros, de Joseph Haydn. Ao contrário de Johann Sebastian, publicou uma grande parte das suas partituras, executadas nos mais sofisticados círculos musicais da Europa. Entre estas, destacam-se as de sonatas para piano, reunidas em seis alentados volumes. Karl Phillip também deixou importante obra didática: “Ensaio sobre o verdadeiro método de tocar piano”.

Outro filho do genial compositor, Johann Christian Bach, gozou, até, de maior prestígio do que o irmão, posto que por pouco tempo, se bem que com produções não tão consistentes e bem elaboradas do ponto de vista técnico. Isso, no entanto, tem uma explicação. Optou por um estilo mais popular e dançante, o que ficou conhecido como “rococó”, que fez a alegria de muitos casais nos badalados bailes das cortes européias durante quase um século. Um dos seus maiores méritos foi o de ter sido o precursor imediato do genial e precoce Wolfgang Amadeus Mozart (cuja vida foi popularizada por Hollywood, num filme que fez furor e conquistou oito Oscars da Academia de Cinema em 1985).

O maior prestígio e aceitação da obra dos seus filhos apenas comprova a constatação que fiz (por sinal, óbvia), de que a genialidade de Johann Sebastian Bach era tamanha, que estava pelo menos três séculos além do seu tempo. Já a de seus “pimpolhos”... enquadrava-se, a caráter, nos limitados padrões de composição então vigentes. Não se trata, ressalte-se, de nenhum demérito a eles. Só que, considerá-los mais talentosos e melhores do que o genial pai é imensa heresia, que os conhecedores de música clássica atuais jamais ousariam cometer. Mas... seus contemporâneos cometeram. Como se vê, a genialidade tem seu preço que, às vezes, chega a ser proibitivo e intolerável.

Johann Sebastian Bach, nascido na cidadezinha de Eisenach, como tantos outros mestres da sua arte, descendia de uma linhagem de compositores. Foi o caçula dos oito filhos do músico da corte Johann Ambrosius Bach. Na sua infância, bastante comum, nada indicava que seguiria os caminhos do pai e muito menos que era dotado da genialidade que mostrou anos mais tarde, quando adulto. Muito jovem ainda, ficou órfão e foi acolhido por um irmão mais velho, que se encarregou do seu sustento e de sua educação. Como este fosse músico, em Ohrduf, foi o primeiro e decisivo mestre de Johann Sebastian, a quem transmitiu, sobretudo, as obras dos compositores, principalmente germânicos, do passado. Essa foi uma lição decisiva que o então jovem aluno nunca mais esqueceu. E foi das mais valiosas.

Daí por diante, até sua morte, aos 65 anos de idade, Johann Sebastian Bach ficou atento à música que se fazia em cada uma das dezenas de cidades e regiões alemãs por onde peregrinou, absorvendo influências tanto de compositores contemporâneos, quanto os de um remoto passado. Talvez por isso, ainda hoje, dezenas de localidades da Alemanha reivindiquem terem influenciado decisivamente em sua monumental e refinada obra. É provável que todas tenham razão. Por que? Porque Bach fez a síntese da música alemã do seu tempo, tanto da erudita, quanto da popular. Só que deu vários passos adiante: projetou sua evolução para três séculos ou mais além do tempo em que viveu. Daí ser tão incompreendido pelos contemporâneos. Que, por sua vez, “exageraram” na incompreensão.

Boa leitura.

O Editor.

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