sábado, 27 de outubro de 2012

Beócio, cretino, escracho: insultos divertidos

* Por Deonísio da Silva

O brasileiro é debochado, irônico. Adora um escracho. Temos o costume de utilizar a gozação para exorcizar grandes desgraças. É raro que o figurino dramático nos caia bem.

Embora remotamente, nossos usos e costumes vêm desde os antigos romanos, que criaram vocábulos curiosos a partir da observação da psicologia dos novos povos descobertos. Um bom exemplo é beócio, que procede do grego boiótios, pelo latim boeotiu, designando habitante da Beócia, província da Grécia antiga.

Originalmente, Boiotia, o nome daquela região, significava “o país dos combatentes”. Seus moradores, por usarem mais a força física do que as faculdades mentais, tinham fama de pouca inteligência.

Por isso, beócio tornou-se sinônimo de ignorante, boçal, simplório, ingênuo. O poeta latino Horácio foi um dos primeiros a registrar a má fama daquele povo, ao escrever, repetindo os gregos, que os beócios eram curtos de inteligência. E assim o vocábulo entrou para a língua portuguesa como sinônimo de simplório.

Antigos franceses engrossaram o preconceito ao confundirem béotien, beócio, com boce (atualmente bosse), bócio, que virou sinônimo de crétin, cretino, povo que habitava região dos Alpes. Cretino passou a sinônimo de ignorante porque entre tais habitantes havia muitos com bócio, uma hipertrofia da glândula tireóide, conhecida cientificamente como tireomegalia e popularmente como papo.

Em agosto de 1955, o famoso humorista gaúcho Aparício Torelly, o barão de Itararé, registrou em seu Almanhaque: “este mês, em dia que não conseguimos confirmar, no ano 453 a.C. (antes de Cristo) verificou-se terrível encontro entre os aguerridos exércitos da Beócia e de Creta. Segundo relatam as crônicas, venceram os cretinos, que até agora se encontram no governo”. O barão encarnou como poucos a ironia brasileira.

Quanto ao nosso costume de tudo escrachar, lembremos que a própria origem do verbo é irônica. Veio do castelhano escrachar, revelar, que se formou na gíria policial. Escrachado era aque¬le que tinha retrato nas delegacias, passando de¬pois a indicar indivíduo descuidado nos modos, no ves¬tir ou no falar, desinteressado em ocultar o que quer que seja.

Freqüentemente, porém, apelamos à agricultura para escrachar o próximo, de que é exemplo a famosa condenação vá plantar batatas!

A origem desta frase é portuguesa. Antigamente, em Portugal, país mais voltado às navegações e à pesca, a agricultura, conquanto fornecedora de alimentos básicos, era vítima de certo desdém. Algumas de suas culturas eram ainda mais depreciadas, como era o caso da batata, que demorou a entrar para a culinária portuguesa e brasileira. Era tida como alimento vulgar e quem se dedicasse a plantar batatas estava se sujeitando a uma atividade desqualificada.

A expressão aparece registrada em O povo português, obra do famoso poeta, folclorista e político lusitano Teófilo Braga, ao comentar a decadência das pequenas indústrias, ocasião em que trabalhadores qualificados, de repente sem emprego, foram aconselhados a plantar batatas.

Gostamos também de misturar alhos com bugalhos. Neste caso estaríamos misturando alhos com sementes de carvalho, bugallas em espanhol A frase, que sintetiza confusão, é de uso corrente na linguagem coloquial desde os tempos dos primeiros cultivos do alho. Com o sentido de coisas desconexas e trapalhadas, foi registrada por João Guimarães Rosa num de seus contos: “O senhor pode às vezes distinguir alhos de bugalhos, e tassalhos de borralhos, e vergalhos de chanfalhos, e mangalhos... Mas, e o vice-versa?”.

* Escritor, Doutor em Letras pela USP, autor de 30 livros, alguns transpostos para teatro e TV. Assina colunas semanais na Caras e no Observatório da Imprensa. Dirige o Curso de Comunicação Social da Universidade Estácio de Sá, no Rio.

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