quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Leia nesta edição:

Editorial – O poder e o dever fazer.

Coluna De corpo e alma – Mara Narciso, crônica, “O que não mata, engorda”.

Coluna Da Terra do Sol – Marco Albertim, crônica, “Os ossos do barão”.

Personalidade e Atitude – Sayonara Lino, poema “Somente”.

Coluna Porta Aberta – Marleuza Machado, poema, “Em, vão”.

Coluna Porta Aberta – Ariane Bomgosto, artigo “Tablet em sala de aula: uma proposta de inovação acadêmica”.

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária” – José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com

“A Passagem dos Cometas” – Edir Araújo – Contato: nenem138@gmail.com

“Aprendizagem pelo Avesso” – Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br

“Cronos e Narciso” – Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br

“Lance Fatal” – Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

O poder e o dever fazer

O homem, como todo animal (e ele, óbvio, também o é), é dotado, pela natureza (inflexível em suas leis), de poderoso mecanismo, tanto para sua proteção pessoal, quanto para a perpetuação da espécie e para a defesa da sua descendência: o instinto, posto, aqui, de forma genérica, já que eles são muitos. Não contasse com esse conjunto de características mecânicas, certamente já estaria há muito extinto. Nesse ponto, creio que todos estão de acordo. Os demais animais, todos, dos unicelulares aos maiores mamíferos, também têm esse mobilizador de ações face algum perigo, induzindo-os a atacar, quando for a melhor estratégia, ou fugir, caso o ataque seja temerário.

Todavia, o homem tem um diferencial com que nenhum outro animal conta: a razão. E esta é tão poderosa que lhe faculta obedecer ou não aos instintos, quando estes se mostrarem inadequados (às vezes são), destrutivos, perversos e perigosos aos semelhantes. Explico melhor. Uma pessoa, com fome, desde que não destituída de consciência em decorrência de algum desarranjo mental, mesmo em casos extremos, dificilmente atacará outra para se abastecer de comida, apossando-se da dos outros. Recorrerá a vários expedientes, menos a este. Poderá, em desespero, até furtá-la. Afinal, seu instinto de sobrevivência norteará suas ações para evitar que morra de inanição. Mas antes de agir dessa forma, ponderará: isto é certo?

Já, digamos, um leão, não agirá dessa forma. Caso esteja faminto, e passe em frente a uma fazenda, repleta de cabeças de gado no pasto, não irá pedir, óbvio, licença ao fazendeiro para abater a rês que lhe sacie a fome. Não irá pensar (supondo que tenha ínfimos resquícios de raciocínio) que é errado matar o animal que não lhe pertence. Não tem o conceito de propriedade, que é, exclusivamente, humano. Não verá no boi outro animal com direito à vida. Verá, isso sim, uma presa. E, sobretudo, comida, e bem ao seu alcance. Seu instinto certamente o moverá à ação, ou seja, a abater e a devorar o bicho mais fraco.

Só o homem, por ser dotado de razão, tem condições de julgar, de direcionar e até de não obedecer os instintos caso conclua que determinada ação que eles lhe ditem lhe trará mais prejuízos do que vantagens. Em vez de atacar quem tiver a comida que precisa, quando estiver com fome, se tiver recursos, tentará comprá-la. Assim, evitará a morte por inanição, mas sem prejudicar ninguém (e a si próprio, já que o outro, certamente, tenderá a reagir a um ataque). Caso não possa comprar, apelará para a sensibilidade do outro para que a compartilhe. Apenas em último caso, provavelmente, tentará tomá-la à força.

É como o jurista Alfredo Cecílio Lopes, ilustre professor de Direito Constitucional, observou num texto que li alhures: “A natureza é muito forte, o instinto é muito forte, eu quero proceder desta maneira, mas minha razão determina que não posso me conduzir assim”. Óbvio que nenhum outro animal, mesmo os que se desconfia contem com um tantinho que seja de “inteligência” (como é o caso, por exemplo, dos golfinhos que desenvolveram, até, uma forma rudimentar de linguagem para se comunicar), tem essa capacidade, posto que em grau ínfimo, de julgamento. É prerrogativa exclusiva do homem.

Ocorre que muitos (e põe muitos nisso!), mesmo tendo a voz da razão a lhes ponderar se determinadas “ordens” dos instintos devem ou não ser atendidas, acabam agindo mal. E fazem-no não uma e nem duas vezes, mas inúmeras. Via de regra, quando cometem erros ou, pior, delitos, tentam tapear a consciência, arranjando pretextos de toda a sorte para se justificar, mesmo que no íntimo estejam conscientes que os argumentos não se sustentam. Exemplo? Os ladrões, que se apossam do que não lhes pertence (de forma violenta ou não) e que, quando questionados, tentam convencer os outros que não fizeram nada de errado ou que agiram em legítima defesa. Não erraram? Nem eles acreditam. E por que agem dessa forma? Essa é a grande questão. Por instinto é que não é. Não se trata do mesmo caso, por exemplo, do leão faminto, que abate uma rês sem consultar o fazendeiro (e, se bobear, devora até ele).

Alfredo Cecílio Lopes observa mais: “É aquele problema que o Eça de Queiroz colocou naquela novela tão bonita, O Mandarim. O mandarim estava lá nos confins da China, e tinha feito um português herdeiro de toda a sua fortuna. Se ele tocasse uma campainha, matava o mandarim e se tornaria seu herdeiro universal. "Apertará a campainha?", dizia Eça de Queiroz no final de sua novela. Moral é isto: eu posso fazer, mas será que devo?”

Não quero ser pessimista, mas a intuição e a observação induzem-me a pensar que, nove entre dez pessoas no mundo, caso estivessem no lugar do personagem português de Eça de Queiroz, tocariam a campainha, determinando a morte do mandarim e entrando de posse da sua fortuna. E mais, engendrariam justificativas, algumas tão sofisticadas que tentariam convencer que o ato que cometeram não somente não foi errado e vil, mas foi até “piedoso”. Provavelmente diriam que o chinês estava cansado de viver e que não tinha coragem de dar cabo da vida. E que, tocando a campainha, lhe proporcionaram o “descanso eterno” de que estava tão precisado, poupando-lhe mil sofrimentos.

De tanto testemunharmos, vermos ou ouvirmos relatos, o dia todo, em todos os dias do ano, por anos e anos a fio, de atos violentos, vis, perversos e absurdos, nos tornamos insensíveis. Depois de certo tempo, passamos a considerá-los até normais, embora a razão grite que não. É como o célebre artista plástico de arte pop, Andy Warhol, declarou, posto que em outro contexto, mas cuja declaração cabe como uma luva neste caso: “Quando você observa um espetáculo arrepiante por muito tempo, o espetáculo cessa de fazer qualquer efeito”. E não cessa? Exagero meu? Exagero de Warhol? E você, o que acha?

Boa leitura.

O Editor.

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
O que não mata, engorda

* Por Mara Narciso

Milena, a minha mãe, dizia que a gente tinha o nariz sobre a boca para poder escolher bem o que se comia, não ingerindo alimento estragado e nem veneno. Ainda assim, de vez em quando comemos coisas que nos fazem adoecer por estarem mal conservadas. Mesmo com essa capacidade, andamos comendo veneno por toda uma vida. Caso margarina faça tão mal quanto dizem na internet, eu já morri, pois a coloco no pão diariamente, há cinquenta anos.

Mas a intenção não é falar de comida, e sim de impactos, grandes desastres, que nos fazem envergar. A nossa volta, há constantes dramas e tragédias, e vamos absorvendo-as no dia a dia, e nos acostumando a elas. As de longe e as de perto. Caso sejamos fortes e sábios, vamos seguindo os ditados populares: “fazer do limão uma limonada”. E quem é sábio mesmo, usa mecanismos psicológicos e ferramentas mentais para sobreviver bem. Quando o baque é grande demais, caímos, e ficamos sem forças nem coragem para nos levantar. Amigos nos dão as mãos e nos ajudam a ficar de pé. E vem a mente o verso “levanta, sacode a poeira, dá a volta por cima”.

“É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”, pois algumas vezes não há mesmo. E tem nos Evangelhos: “eu tudo posso, Naquele que me fortalece”. Não tenho nada de original para acrescentar ao óbvio, porém, me utilizo de uma técnica aprendida há mais de 20 anos no livro “Seus Pontos Fracos”, do Dr. Wayne W. Dyer. É de auto-ajuda, do qual extraí dois ensinamentos que me são muito úteis.

Segundo o Dr. Dyer, há dois sentimentos completamente inúteis: a culpa e a preocupação. Para ele, culpa é ficar paralisado no momento presente, sofrendo para tentar mudar o passado, e preocupação é a mesma coisa, porém buscando mudar o futuro. Bem se vê a inutilidade desse tipo de sentimento. Assim, procuro no dia a dia não gastar tempo com isso, pois, como disse o autor: “a gente sente o que a gente pensa e a gente pensa o que a gente quer”, não exatamente com essas palavras. E não é? Treino há décadas, e geralmente, quando estou entrando em parafuso, consigo segurar o pensamento, e lembrar-me de coisas positivas. Durante exames ou operações dolorosas, vou visitar um lugar bonito que trago na memória. Isso ajuda a vencer o pânico e a dor, e dessa forma, me livro de um sofrimento a mais que não me levará a nada.

Tenho tendência à preocupação excessiva com resultados de exames. Algumas vezes passei por medos que, ao final de algum tempo mostraram-se infundados. Não eram o que pareciam ser. Essas passagens são altamente ilustrativas, pois boa parte das pessoas nem vão ao médico e muito menos fazem exames, especialmente os homens, com medo de o médico descobrir alguma doença. De fato, se não houver, não será descoberta. No caso da nossa saúde, melhor a certeza do que é real, do que o medo de uma assombração. Encarar a realidade, dentro de termos e números verdadeiros, gasta menos energia do que ficar por meses sentindo uma espada sobre a cabeça, desafiando a Lei da Gravidade, prestes a nos cortar o pescoço. Ter confirmado um diagnóstico e começar um tratamento nos faz melhores, e não o contrário.

A Medicina Moderna, que me desculpe, mas há exames levemente alterados que constroem grandes doentes, que carregam aquele resultado nas costas como uma prisão. Os “doentes” chegam cabisbaixos, arrastando um exame que deu isso ou aquilo, e que pesa uma tonelada. Aquela imagem poderá não ter significado algum, e até não prejudicar a pessoa portadora, não de uma doença, mas de um exame alterado. Todos já viram imagens fantasma em ultrassom e em tomografia computadorizada, que não se revelam numa repetição. Ocorrem “incidentalomas” em 10% dos casos de tumor hipofisário na operosa e magnífica Ressonância Nuclear Magnética. Portanto, ela não é infalível, assim como quem a analisa não é perfeito, embora haja médicos bons demais em definir o que são essas imagens.

Repetindo, há dez dias, morre de calazar, cujo diagnóstico só foi feito no 20º dia de doença, Geraldo Quirino Dias Júnior, 33 anos, o filho da minha prima Márcia Prates. Abraçando-me com ela, impressiona-me a dor dessa mãe e o equilíbrio e raciocínio que ela consegue extrair dessa desgraça. Diante do fato, encho-me de coragem. Somos imbecis ao julgar os problemas pessoais como os mais importantes. Não posso ser mole, insegura ou medrosa. É bom viver cada momento a seu tempo, e todas as manhãs, levantar-me depressa, abraçar a vida e correr para ser feliz. Agir de outra maneira é burrice.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade” – blog http://www.teclai.com.br/

Os ossos do barão

* Por Marco Albertim

Toda a extensão da Rua das Quintas cobriu-se de faixas azuladas e brancas; de um poste a outro, partindo do cume, as faixas, com vinte e cinco centímetros de largura, cruzavam-se em diagonal. Por ordem do prefeito Epaminondas Santos, quase não se via um fio da luz do sol, inda que o tecido fino deixasse filtrar a luz, deitando sobre as pedras do calçamento um lusco-fusco estranho; por isto mesmo, os moradores sentiram-se homenageados e cada um pôs a melhor roupa do escasso vestuário.

Numa segunda-feira, finzinho da tarde, quando a fábrica de tecidos, soltando fuligem pela chaminé, desabria o apito. Os operários, ainda com o macacão coberto por fios de algo dão, apressavam os passos para vestir a roupa da véspera, o domingo. Também os operários da usina de açúcar acorreram; os da moagem, posto que os do corte da cana por nada trocavam o pão seco com café ralo, na cozinha das casas do arruado ali mesmo, comprimidas pelo denso canavial.

A Rua das Quintas, tão comprida quanto sinuosa, tem seu final no cemitério. Bem que os curiosos, os mais velhos, podiam pregar nas mangas das camisas ou na abertura do bolso o crepe lutuoso, visto que a cerimônia teria lugar no cemitério; para receber os ossos do barão de Japumim! O dono de engenhos fora dos primeiros a fazer do açúcar de suas terras, mercadoria de exportação; banguezeiro filho de portugueses, deixara que os calungas a seu serviço, construíssem taperas com o massapê extraído do canavial encharcado; dali, dizia-se, nascera a povoação de Goiana.

Justo, dissera o prefeito Epaminondas Santos, prestar-lhe a derradeira homenagem, depositando o que sobrara da carcaça do barão, num túmulo tão cristão quanto reluzente no mármore e no bronze. Os ossos foram tirados de um túmulo distante, nas cercanias do casarão arruinado. O lugar fora coberto pela vegetação rala, sem flores nem indicação de repouso pacífico do barão empreendedor; nenhum indício de que sua alma, no zelo do além-túmulo, espreitasse a pasmaceira do lugar. O prefeito, julgando-se afim remoto do barão, creu-se no dever de deitar o tataravô numa cova elegante, digna de romarias. Obteve sem demora a aprovação dos vereadores, bem como as despesas com a escavação e com a remoção dos ossos. Tivera o cuidado de evitar a palavra enterro, revestindo o acontecimento com tinturas e cores da bandeira da cidade.

As luzes do cemitério foram acesas pouco antes das cinco horas da tarde. O costume era acender depois de o dia escurecer de vez, inda que o relógio da portaria desse conta do fim do expediente do único coveiro; do coveiro e do escrivão servidor de almas, como se intitulava o funcionário do escritório; com o beneplácito de Epaminondas Santos, dos dez vereadores com ele perfilados.

Assim, crânio, mandíbula, vértebras, omoplatas, discos, clavícula, esterno, pelve, fêmures, fíbula, tíbia, ossos dos pés e das mãos, o que restara do operoso barão de Japumim fora juntado e depositado numa urna mortuária; por ordem do prefeito, sem nenhuma semelhança com féretros. As peças foram reunidas por Durval Correia, único boticário de Goiana; alto, careca, rosto cor de cera, narinas treinadas na identificação de odores de laboratório, Durval munira-se de luvas; mesmo os resíduos, fragmentos reduzidos a pó, juntou-os com uma escovinha, recolhendo-os com uma pá menor do que sua mão; com cuidados de paleontólogo.

A urna retangular fora ornada de um tecido azul e branco, do tamanho de um caixão para enterrar crianças defuntas; no salão da Câmara Municipal, entre uma bancada e outra. A semelhança com féretro foi percebida, mas ninguém referiu-se ao assunto; o rosto solene do prefeito Epaminondas Santos não o permitia.

A romaria de curiosos começou pela manhã. À tarde, a partir das duas horas, o microfone foi franqueado para quem quisesse discursar, ressaltando os feitos do barão de Japumim. As bancadas, separadas pelo vácuo do salão, estavam dispostas a aquietar vereadores da situação e da oposição. Epaminondas Santos não tinha oposição para fiscalizar seus atos. A dezena de vereadores, tirando proveito de sua prodigalidade, nunca se recusava ao convite de almoços e jantares na casa do prefeito; para se antecipar à aprovação de seus atos, e cobrir de elogios o tempero da comida de dona Bragantina, a primeira-dama.

No ajuntamento na frente da Câmara, uma pracinha com quatro bancos de cimento, os comentários de boca em boca faziam concorrência aos discursos. Aníbal Fontoura, comunista verboso, não fora eleito vereador. Fazia do Diva – Departamento de Informação da Vida Alheia -, assim era chamada a pracinha, sua tribuna. Ele atravessou a rua, seguido por quatro de seus camaradas. Na Câmara, pediu o microfone. Não podiam lhe negar, não sem evitar constrangimentos. Com a voz ecoando entre as quatro paredes, deixou o rancor a latifundiários subir-lhe a face.
- Os ossos do barão estão aqui porque até os vermes se recusaram a fazer deles uma sopa!


*Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.

Somente

* Por Sayonara Lino

Nada mais a dizer, me calo
Não ouço, tudo está distante
Nenhum ruído me alcança
Amores do avesso
Admirações contrárias
Dedos apontados em direções erradas
Pensamentos egóicos desorganizados
Não há mais espaço
Nesse momento,somente a bondade vigora


• Jornalista, fotógrafa e colunista do Literário
Em vão

* Por Marleuza Machado

Para não sentir saudades,
fujo.
Para escapar do desejo,
escondo-me.
Tê-lo no coração,
basta-me.
Ainda assim,
estou a salvo apenas de ti:
Por vezes,
chama incessante arrebata-me...
E cinzas faz de mim.


* Poetisa e jornalista
Tablet em Sala de Aula: uma proposta de inovação acadêmica

* Por Ariane Bomgosto

Distribuir tablets a alunos e professores de ensino superior foi a solução encontrada pela Estácio na busca pelo investimento em inovação no meio acadêmico. São 72 campi em 19 estados brasileiros e, por isso, sabíamos que não seria fácil. Também tínhamos consciência que um trabalho extenso de mudança de cultura viria pela frente.

No início do programa, no segundo semestre de 2011, a instituição optou por distribuir os aparelhos aos alunos e professores dos cursos de direito, gastronomia e hotelaria, nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo. A empreitada começou não só com a oferta da tecnologia, mas também com a missão de transformá-la em ferramenta de ensino legítima junto aos docentes da instituição. Os capítulos bibliográficos que compunham material didático impresso, então, começaram a dar lugar a textos digitalizados.

Em seis meses, percebemos que os professores da instituição, após receberem o aparelho, não estavam explorando tudo o que poderiam dentro de uma perspectiva pedagógica. Para reverter esse cenário, elaboramos o projeto Tablet em Sala de Aula. O intuito é sensibilizar os docentes sobre o uso da nova ferramenta, fazendo-os perceber o quanto a tecnologia poderia ser uma facilitadora do seu trabalho e também uma ponte de conexão com um aluno cada vez mais ávido por novas formas de aprender e imerso em um mundo conectado por redes de relacionamento.

Entre as atividades do Tablet em Sala de Aula estão a formação de uma rede de 200 docentes, que dividem-se em grupos online e presenciais para aprender e trocar; criação de uma comunidade “Tablet” para discutir o assunto na rede social interna da Estácio; capacitação de professores dentro das unidades; e o desenvolvimento de trabalho institucional sobre a aplicação das novas tecnologias na educação. Esse grupo interage com pesquisadores de outras universidades e está produzindo um acervo na forma de artigos impressos, vídeos e aplicativos educacionais tanto para arquivo da instituição, como para publicação em veículos especializados na área.

É interessante ver que esses espaços virtuais criados para troca de experiências vão ao encontro da proposta do projeto em si: explorar as mídias digitais e móveis como recursos que facilitem e promovam a aprendizagem contínua. É a consagração, na prática, do tão atual conceito de rede, de compartilhamento em busca de soluções que se adequem às atuais necessidades da educação brasileira. Com o desenvolvimento do projeto, pudemos perceber que há vontade, por parte dos docentes, de promover melhoras no cenário do ensino superior através da pesquisa e da realização de ações que levem a teoria para a prática. Há espaço e acho que estamos no caminho! A seguir, deixamos algumas dicas para a implantação de tablets em um projeto sustentável em uma rede de ensino.

1. Fazer um planejamento contemplando a sensibilização dos docentes ao projeto e, se possível, estruturar um programa de capacitação e envolvimento antes mesmo da distribuição das mídias digitais móveis.

2. Estruturar canais de comunicação que promovam o feedback contínuo, tanto de professores como de alunos, para que os possíveis erros sejam corregidos e as melhorais surjam da demanda do próprio usuário.

3. Investir na qualidade da tecnologia e da infraestrutura de onde o recurso será utilizado, possibilitando, por exemplo, navegação amigável e intuitiva e acesso à rede nos espaços onde o aparelho será manuseado.

4. Criar polos de pesquisa com o foco tecnologia aplicada à educação para estudo, discussão e desenvolvimento de material acadêmico sobre o tema, com a possibilidade de produzir conhecimento científico dentro de uma instituição de ensino que dê embasamento para as práticas pedagógicas desenvolvidas dentro de sala de aula.

5. Investir na qualidade do material que está sendo distribuído, avaliando os cursos que estão recebendo e a relevância do dispositivo para cada curso contemplado, a linguagem e a forma como o conteúdo está sendo apresentado. Deve-se considerar que, por ser um recurso móvel que tem várias facilidades, será preciso ter cuidado com a seleção do conteúdo, entendendo que o usuário de tablet quer informação de qualidade e que seja relevante para sua maneira de aprender e ensinar.

6. Criação de inteligência para desenvolvimento de novos aplicativos educacionais, oferecendo, se possível, treinamento com consultorias para equipes internas, que possam se desenvolver e produzir aplicações de ensino para os aparelhos distribuídos.

* Ariane Bomgosto é jornalista e especialista em comunicação e linguagem para práticas profissionais, idealizadora do projeto Tablet em Sala de Aula, na Estácio Participações e trabalha com foco em novas mídias aplicadas à educação. Tem livro publicado na área de literatura infantil (coletânea Contos do Quintal – Editora Globo). Tem trabalhos publicados em material didáticos do Instituto Piaget.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Leia nesta edição:

Editorial – No embalo da chuva.

Coluna À flor da pele – Evelyne Furtado, poema, “De sonho e poesia”.

Coluna Observações e Reminiscências – José Calvino de Andrade Lima, crônica “Honestos e desonestos”.

Coluna Lira de sete cordas – Talis Andrade, poema “A casa do meio”.

Coluna Porta Aberta – Rubem Costa, crônica, “As valentes mulheres de Schorndorf”.

Coluna Porta Aberta – Raul Longo, poema “A toga e a soga”.

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária” – José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com

“A Passagem dos Cometas” – Edir Araújo – Contato: nenem138@gmail.com

“Aprendizagem pelo Avesso” – Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br

“Cronos e Narciso” – Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br

“Lance Fatal” – Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

No embalo da chuva

A chuva, notadamente a mansa e suave, a que dura horas e horas e às vezes se estende pelo dia todo ou até invade a noite e a madrugada, tem o condão de nos trazer certa melancolia ao espírito, principalmente quando estamos sós, apreciando o estranho itinerário que gotas d’água traçam na vidraça fechada. Mas não é um sentimento ruim. Trata-se de certa ternura, despertada por lembrança de pessoas que gostamos, amadas ou amigas, não importa. Às vezes não é nem isso. Simplesmente nos entregamos à sensação de conforto que sentimos, por estarmos abrigados, livres da umidade e do frio.

Quando criança, gostava de brincar na chuva, burlando, claro, a vigilância dos adultos. Não raro, era castigado por isso (mas sem castigos nada sérios e muito menos físicos, ressalto). Às vezes, porém, era só advertido e prometia nunca mais agir assim. No entanto... reincidia no delito, na primeira oportunidade que tinha, como, aliás, todo menino sapeca, sadio e cheio de energia faz. Foram inúmeros os resfriados que me acometeram por causa disso, mas nenhum muito sério. Escrevi, até, um conto a propósito, incorporando-me em um personagem, bastante parecido comigo, mas que não era, rigorosamente, eu. Adulto, também me dei esse prazer e arquei, sem reclamar, com as conseqüências. Fiz isso, porém, em raríssimas ocasiões. Pudera!

Esse fenômeno meteorológico, tão trivial (e tão necessário à vida), é tema recorrente na literatura, especialmente na poesia. Muitos poetas utilizaram-no nos mais variados contextos. Também recorri a ele e, creio, sem fazer feio. Pelo menos gostei de um dos três ou quatro poemas que escrevi a propósito, inspirado pela chuva. A sensação mais vezes retratada na poesia é a de sutil, mas freqüente melancolia que toma conta de nós em dias chuvosos. Isso fica patente, por exemplo, neste magnífico poema de Mário Quintana, intitulado “Canção da garoa”, que diz:

“Em cima do meu telhado,
pirulin, lulin, lulin,
um anjo todo molhado
soluça no seu flautim.

O relógio vai bater:
as molas rangem sem fim
o retrato na parede
fica olhando para mim.

Chove sem saber porque...
E tudo foi sempre assim!
Parece que vou sofrer:
pirulin, lulin, lulin...”.

Lindo poema, não é mesmo? Ademais, nos desperta, assim que o lemos, indisfarçável empatia. Da minha parte, enfatizei uma bizarra beleza que vislumbrei nesse fenômeno tão natural (e indispensável à vida, reitero, embora haja circunstâncias em que possa se tornar destrutivo e até catastrófico). Meu poema foi composto em 14 de outubro de 2011, ou seja, há um ano, em plena primavera, que então foi mais chuvosa e menos calorenta que a atual. Não sei se vocês irão gostar desses versos. Eu, que raramente aprecio o que escrevo, por encontrar, a todo momento, defeitos que me aborrecem por haverem escapado de minha vigilância, gostei dele:

Chove e a vida é bela

“Chove...

Nuvens de chumbo
expelem milhões
de agulhas de cristal.

Silêncio rompido
(silêncio quase total)
pelo som monótono
e sonífero que se espalha.
Suave sinfonia em blue,
de água escorrendo na calha.

Tanta nostalgia, responda,
quem, afinal, resiste?
A saudade instala-se, redonda.
Chove... E a vida parece triste!

Chove...

A terra, encharcada,
sorve, sôfrega,
as lágrimas do céu.

Múltiplas agulhas líquidas
compõem diáfano véu.
Gotas deslizam (que corolário!)
no vidro fechado da janela,
traçando incerto itinerário.
Chove... A vida, afinal, é bela!

Chove...

Lembranças vadias,
de manhãs chuvosas
e tardes silentes e frias
assaltam-me a memória.

Criança brincando,
(parte de uma história),
solta e desgarrada,
na rua cinzenta e vazia
navegando na enxurrada,
com sua encharcada cadela.
Lembrança nunca olvidada.
Chovia... E a vida era bela!

Chove...

Gotas de cristal
escorrem por uma rosa,
perfeita e primorosa,
específica e especial
debaixo da minha janela.
Beleza transcendental.
Chove... e a vida continua bela!”

Fernando Pessoa, o poeta dos heterônimos, igualmente abordou o tema chuva. Sua abordagem, óbvio, foi mais literária e competente do que a minha (pudera!), mas talvez não tão lírica. Confiram o poema “O templo em oração” e julguem vocês mesmos, dando-me, todavia, piedoso desconto:

O templo em oração

“Ilumina-se a igreja por dentro da chuva deste dia,
E cada vela que se acende é mais chuva a bater na vidraça…
Alegra-me ouvir a chuva porque ela é o templo estar aceso,
E as vidraças da igreja vista de fora são o som da chuva ouvido por dentro…
O esplendor do altar-mor é o eu não poder quase ver os montes
Através da chuva que é ouro tão solene na toalha do altar…
Soa o canto do coro, latino e vento a sacudir-me a vidraça
E sente-se chiar a água no facto de haver coro…
A missa é um automóvel que passa
Através dos fiéis que se ajoelham em hoje ser um dia triste…
Súbito vento sacode em esplendor maior
A festa da catedral e o ruído da chuva absorve tudo
Até só se ouvir a voz do padre água perder-se ao longe
Com o som de rodas de automóvel…
E apagam-se as luzes da igreja
Na chuva que cessa…”

Mas, o que dizer, então, desta maravilha composta por Cecília Meirelles? É melhor nem dizer nada. Minto, é melhor ler estes versos em voz alta, como a boa poesia requer e deve ser sempre lida, e deliciar-se com seu lirismo e musicalidade, com essa chuva de ternura a nos lavar a alma.

Dia de chuva

“As espumas desmanchadas
sobem-me pela janela,
correndo em jogos selvagens
de corça e estrela.

Pastam nuvens no ar cinzento:
bois aéreos, calmos, tristes,
que lavram esquecimento.

Velhos telhados limosos
cobrem palavras, armários,
enfermidades, heroísmos...

quem passa é como um funâmbulo,
equilibrado na lama,
metendo os pés por abismos...

Dia tão sem claridade!
só se conhece que existes
pelo pulso dos relógios...

Se um morto agora chegasse
àquela porta, e batesse,
com um guarda-chuva escorrendo,
e com limo pela face,
ali ficasse batendo

— ali ficasse batendo
àquela porta esquecida
sua mão de eternidade...

Tão frenético anda o mar
que não se ouviria o morto
bater à porta e chamar...

E o pobre ali ficaria
como debaixo da terra,
exposto à surdez do dia.

Pastam nuvens no ar cinzento.
Bois aéreos que trabalham
no arado do esquecimento”.

Finalmente, porquanto não pretendo voltar ao tema que, como destaquei, é dos mais batidos e que comportaria toda uma extensa e variada antologia, trago à baila uma das letras mais emocionantes e marcantes da MPB. Foi composta por Tito Madi e fez enorme sucesso em fins dos anos 50 e início dos 60 do século passado, na voz do autor. Confesso que tomei muito porre, curtindo homéricas dores de cotovelo, por causa de amores frustrados, ouvindo esta maravilha, de “explodir” corações, copo de uísque na mão, sobretudo na voz da inigualável Elizeth Cardoso, “a Divina”:

Chove lá fora

“A noite está tão fria
Chove lá fora
E essa saudade enjoada não vai embora
Quisera compreender porque partiste
Quisera que soubesses como estou triste

E a chuva continua
Mais forte ainda
Só Deus pode entender como é infinda
A dor de não saber
Saber lá fora, onde estás, onde estás
Com quem estás agora, agora

A noite está tão fria
Chove lá fora
E essa saudade enjoada não vai embora
Quisera compreender porque partiste
Quisera que soubesses como estou triste
E a chuva continua
Mais forte ainda
Só Deus pode entender como é infinda
A dor de não saber
Saber lá fora, onde estás, onde estás
Com quem estás agora, agora”.

Boa leitura.

O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
De sonho e poesia

* Por Evelyne Furtado

Luta, ansiedade, agonia.
Pesam os cílios, toneladas
Cerra os olhos: liberta a poesia

Em veste de suave alegria
Dança no firmamento desnudo
Tão nua quanto o céu, a poesia.

E o desejo latente varia.
De uma esquina a outra
Vagueia a celeste poesia.

Em desordenada alforria
Fugindo do algoz carcereiro
Vence sempre a poesia.

Para provar tal iguaria
Um leito é de estrelas é suficiente.
Vive a poesia.

Ao despertar recomendaria
Lembrar passo a passo
A dança da poesia.

Para o desejo ser revelado
À luz de sol ou candeeiro
De quem fez a poesia.


* Poetisa e cronista de Natal/RN
Honestos e desonestos

* Por José Calvino de Andrade Lima


Pobre tem de ter um triste amor à honestidade. - Guimarães Rosa -

De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto. - Rui Barbosa -

Confesso que reivindicar me era desagradável, embora junto a outros artífices tivesse decidido lutar por melhores condições de trabalho e aumentos salariais. Isso me perturbava, e foi com a minha honestidade que saí prejudicado, sendo demitido da grande agência de comercialização de objetos artísticos.

Pasmem com o que um ex-comerciante falido disse:

“É melhor ter empregados desonestos do que honestos!”. Perguntei o motivo e ele respondeu: “O honesto é reivindicador e não atende bem à clientela. Já o desonesto não pede aumento e trata bem os clientes. E ainda tem uma coisa: o honesto coloca você na justiça”. Esse foi o principal motivo de sua falência. É a cara do Brasil.

*Escritor, poeta e teatrólogo. Blog Fiteiro Cultural: http://josecalvino.blogspot.com/
A casa do meio

* Por Talis Andrade

Te dei a aliança
o círculo sem começo e fim
símbolo da eterna união

Te dei a aliança
e ordenei
construíssem a morada
em um lugar propício
Uma pacífica rua
em que os pássaros
encontrassem sombra

Uma casa do meio
para uma vida sem receio
As casas de esquina
trazem morte ou ruína
Uma casa pequenina
com um belo jardim
e um quintal repleto
de árvores frutíferas

Um quintal para criar
o bestiário místico
Os animais enfeites
sagrados ornamentos
da nossa lapinha

O irmão boi
o irmão jumento
a irmã ovelha
viram adormecido
na manjedoura
o Cristo Menino
nascido em Belém
para o nosso bem

Uma lista branca
no dócil jumento
a marca da urina
do Menino Jesus
na fuga para o Egito

A fiel ovelha
no recolhimento do aprisco
a representação dos discípulos
escutando do Nazareno
o santo ensinamento

O venerado boi
o boi imolado
atributo do Cristo
crucificado
morto e sepultado
para a remissão
dos nossos pecados

(Do livro “Romance do Emparedado”, Editora Livro Rápido – Olinda/PE).

* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do “Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e “A República” (Natal). Tem 13 livros publicados, entre os quais “Romance do Emparedado” (Editora Livro Rápido) e outros à espera de edição.