quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Velho sim, inútil, não!

* Por Mara Narciso

O dramaturgo Nelson Rodrigues aconselhava aos jovens que envelhecessem o quanto antes. Desde que o ministro do STF Cezar Peluso completou 70 anos e teve a aposentadoria compulsória decretada, muito se tem falado sobre a questão idade. O Dr. Athos Avelino não conseguiu legalizar em tempo hábil sua candidatura a prefeito de Montes Claros, então abriu mão dela em favor do ex-ministro Humberto Souto, de 78 anos, de acordo com a Wikipédia. A partir desses dois casos, pergunto: quando uma pessoa perde a sua capacidade de trabalhar?

Idosos ficam na fila comum, com receio de os outros saberem que já têm 60 anos. O preconceito contra o velho brota em todo lugar. O que fazer para reduzi-lo? Leis mais duras para quando houver discriminação? Criminalizar quem falar coisas do tipo: “o que você quer, velho esclerosado?” O jovem não pensa na velhice, mas costuma desprezar a opinião dos mais velhos. Quem é velho, em defesa, costuma negá-la, como uma forma de disfarce, para torná-la mais leve. O politicamente correto proíbe falar velho, e assim a palavra a cada dia discrimina mais.

A medicina avança tornando mais fácil se tornar um octogenário. Se no século XIX um sexagenário era um estorvo social, sem serventia, ocasião em que o escravo era alforriado e jogado na rua por não valer a comida que comia, hoje, muitas pessoas passam dos noventa, e até dos cem anos, embora seja um acontecimento notável.

A velhice não é a melhor época da vida, e é uma estupidez dizer que sim, ou fazer piada com os esquecimentos dos velhos. O uso de termos como “idade da prata”, “terceira idade”, “melhor idade” não reduziram a discriminação contra o velho. Dizer “estou ficando velho” no lugar de “sou velho” não melhora a situação.

A mídia com a sua ordem de que é proibido envelhecer, mostrando atrizes de mais de 80 anos com a pele tão lisa como se tivessem 30 é boa para quem? Elas próprias se constrangem em atender a essa proibição, pois caso pudessem, ostentariam suas rugas. As plásticas rejuvenescedoras são tão onipresentes nas telas da TV, mais que no cinema, que quando se apresentam quatro gerações em cena, podem grosseiramente confundir a quem as assistem. Pobres mulheres, que tentam enganar aos outros, mas nunca a si mesmas. Escolha é uma coisa, exigência é outra.

Aos 40 anos, muitas delas já fizeram lifting, para levantar a expressão. E quem tem coragem de não pintar os cabelos? Li, não sei onde, que atitude não é pintar os cabelos e sim deixá-los brancos. Considerado cafona até há pouco tempo, de uns anos para cá, boa parte dos homens também está pintando os cabelos.

Se por um lado há quem não queira contratar um recém-formado devido à falta de experiência, por outro, há quem não aceite o trabalho de um velho, por imaginá-lo superado. Na nossa sociedade do descartável, rugas e cabelos brancos atrapalham profissionalmente. Com a ordem de reciclar, reutilizar, reaproveitar, espero que o velho seja mais bem aceito, e não precise ter vergonha de tomar a vacina da gripe.

O envelhecimento é diverso entre pessoas da mesma idade, de vida semelhante e até entre irmãos, ocorrendo em ritmos diferentes. Caso fosse possível parar o tempo, muitos o congelariam por volta dos 30 anos. No entanto, quando será possível se ver no Brasil pessoas valorizadas pela experiência, sabedoria, equilíbrio, confiança, sensatez, características típicas dos velhos?

Boa parte das pessoas quer viver muito, porém de forma ativa, produtiva, com saúde, viajando, se divertindo, em companhia da família e de amigos, e sendo respeitada. Está se tornando comum, além das festas de 15 anos, as de outras idades, como 70 e 80 anos. Ter orgulho de ter vivido muito é um conceito que vem para ficar?

Não é demérito querer parecer mais jovem, e quem realmente tem essa característica fica feliz em possuí-la. O idoso gosta de ser visto como alguém de voz firme, de pensamento ágil, de memória impecável.

Eu não tenho vergonha de não ter morrido aos 46 anos quando tive um infarto. Assim, com a intenção de diminuir o preconceito contra o velho, pois esconder a idade faz parte do incentivo a essa discriminação, no dia 12 de setembro, dia do meu aniversário, coloquei no Facebook, para a visualização dos meus 2598 contatos a seguinte frase: “Amigos, hoje é meu aniversário. Eu consegui chegar aos 57 anos. Uma benção inesperada. Espero ficar mais velha a cada dia”. Boa parte de quem leu, comentou, e de alguma forma ficou horrorizada.

Entender como insulto ser chamado de velho deveria afetar apenas os que têm vergonha de envelhecer. É liquido e certo: morrer jovem é a única maneira de não ficar velho. Quem se habilita?


*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade” – blog http://www.teclai.com.br/

2 comentários:

  1. É paradoxal, Mara. Todo mundo quer viver muito, mas ninguém quer ficar velho!... Ótimo e lúcido texto. Parabéns por ele e pelo recente aniversário.

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    1. Há quem esteja brincando comigo devido a revelação da minha idade. De vez em quando vemos pessoas aumentarem a idade por brincadeira, para que todos digam que não parece, porém há quem aceite o aumento e o tiro sai pela culatra. Tema delicado. Ninguém aceita ser referido como velho. A discussão está apenas começando. Espero que, ventilando esse tema, haja uma tomada de consciência e a sociedade possa reduzir essa ambiguidade. Obrigada pelo comentário, Marcelo. E pelos parabéns.

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