quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Livro que foi determinante

Não se pode falar em Prêmio Nobel, em todas suas categorias, sem trazer à baila sua verdadeira mentora, ou seja, a baronesa austríaca Bertha Von Suttner. É certo que a premiação só pôde ser viabilizada graças à fortuna do inventor da dinamite. Foi a polpuda e representativa quantia em dinheiro, multiplicada pelas aplicações dela no mercado financeiro, destinada para esse fim em testamento, que tornou concreto o que nasceu de uma simples ideia. Coube, porém, a essa mulher idealista, talentosa e batalhadora a tarefa de convencer o empresário a tomar essa atitude. E fê-lo, principalmente, com um primoroso livro que escreveu.

A proposta original era a da criação de um único prêmio, o da Paz, destinado a pessoas que, reconhecidamente, atuassem na promoção da concórdia entre os povos e, sobretudo, no banimento de todas as guerras do Planeta. Esta, porém, evoluiu e decidiu-se, no fim das contas, premiar, também, benfeitores da humanidade em várias outras áreas de atividade, como as ciências, a economia e a Literatura.

Durante os nove anos que Bertha permaneceu na região de Mingrélia, no Cáucaso, para onde havia seguido após o casamento com Arthur Von Suttner, à revelia da família do velho barão, em momento algum deixou de manter intensa correspondência com Alfred Nobel. O sueco recebia notícias freqüentes, praticamente mensais, de sua ex-funcionária, pela qual se afeiçoara e vibrava com cada novo sucesso literário da amiga e do marido desta. Não tardou para que o casal se tornasse celebridade na Europa, tanto pela qualidade dos seus textos, quanto, e principalmente, pelas idéias que defendia.

Assim que Bertha e Arthur regressaram à Áustria, após a reconciliação com o velho barão, ficaram sabendo que o chanceler prussiano, Otto Von Bismarck – que ficou conhecido na História como o “Napoleão da Alemanha” – planejava nova campanha militar, ou seja, mais uma guerra, numa Europa já tão castigada por tantos e tão sangrentos conflitos. Isso revoltou sobremaneira a baronesa, que não conseguia se esquecer das cenas dantescas e pungentes presenciadas no Cáucaso, de jovens promissores sacrificados em campos de batalha pára satisfazer a ambição e a sede de poder dos políticos e dos chefes militares.

Como deter essa nova insânia que parecia iminente? Não atinava como. Mas estava convicta que uma nova guerra tinha que ser evitada a qualquer custo. Resolveu lançar mão da única “arma” que tinha, que lhe granjeara imenso prestígio: seu talento de escritora. Escreveria um livro para conscientizar o máximo número de pessoas sobre a inutilidade e, sobretudo, a perversidade da guerra. Empreendeu meticulosa pesquisa sobre os aspectos mais sujos e perversos desse tipo de violência.

Conversou com cirurgiões militares. Leu pilhas e pilhas de relatórios, escritos por oficiais, detalhando o que ocorria nos campos de batalha. Anotou cuidadosamente os testemunhos e descrições dos sofrimentos incríveis e desumanos dos soldados feridos. Entrevistou generais que descreveram, nua e cruamente, como os que eram atingidos por balas e explosões se crispavam ao morrer, a sua agonia diante da consciência de que nada e ninguém conseguiriam salvá-los, o aspecto e o cheiro insuportável dos cadáveres três dias após a morte e outros horrores mais.

De posse desse farto e contundente material e com o reconhecido talento que tinha, Bertha escreveu um romance vigoroso, realista, duro, um dos melhores do gênero já escritos até hoje, que foi traduzido para doze idiomas (inclusive o português), intitulado “Depondo as armas”. Recomendo-lhe, amável leitor, que o leia caso tenha acesso a ele.

O livro da baronesa é tão bom, que mereceu rasgados elogios de Leon Tolstói, gênio das letras, entre tantos escritores famosos que se manifestaram a respeito. O autor de “Guerra e Paz” chegou, mesmo, a comparar Bertha à norte-americana Harriet Beecher Stowe, autora do clássico “A cabana do Pai Thomás”. Seria exatamente este romance da baronesa o grande responsável pela futura criação do Prêmio Nobel.

Alfred, a esta altura já velho e com a saúde seriamente abalada, ficou muito sensibilizado com o livro de Bertha. Elogiou, sobretudo, seu conteúdo, ou seja, “a elevação dos conceitos” nele contidos. Deixando de lado sua costumeira reserva, em um arroubo de entusiasmo, tão raro em sua personalidade, chegou a afirmar: “Essa arma (o livro) há de revelar-se de alcance de alcance muito maior do que os modernos canhões e todos outros petrechos do inferno”.

Mas Bertha não dormiu no ponto e nem se satisfez com o mero êxito editorial. Convidou Nobel para um dos tantos congressos pacifistas que organizou, este realizado em Berna, na Suíça, ao qual o industrial compareceu, posto que incógnito. Ao final, escreveu à baronesa: “Mantenha-me informado. Convença-me e então farei algo de relevante pelo seu movimento”. E realmente fez.

Em 1896, já praticamente moribundo, Alfred Nobel voltou a escrever à baronesa: “Aperto-lhe as mãos, as mãos de uma querida e bondosa irmã. Folgo em ver que seu movimento de paz está ganhando terreno”. Três semanas depois, o inventor da dinamite morreu, em 10 de dezembro de 1896, na cidade italiana de San Remo. E no ano novo de 1897, ao ser aberto o testamento do milionário empresário sueco, viria a revelação que levaria a baronesa Bertha Von Suttner às lágrimas: o anúncio da instituição dos Prêmios Nobel.

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Nunca tinha lido essa história. Emocionante! Com tem gente idealista neste mundo.

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