quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Catedral submersa

* Por Marcelo Sguassábia


Devaneio ao som de La Cathédrale Engloutie, de Claude Debussy.

A verdade é que a lenda de lenda não tinha nada, pois juro sobre a Bíblia que vi a catedral engolida pelas águas, com suas ogivas góticas, seus altares e seus dezesseis sinos mudos há séculos. Ali jaz, até que razoavelmente conservado, o sacerdote de então. Ia com a missa pela metade, já que a história nos dá conta que estava na homilia quando as águas o calaram. E foi-se de estômago cheio, pois regalou-se na véspera com iguarias da Irlanda e vinhos da Normandia, trazidos por um fiel recém-chegado do velho mundo.

Apesar do desencarne com o apetite satisfeito, trazia a testa franzida, como se advertisse os fiéis do dia do juízo final. Não muito longe da batina, pequenos peixes iam e vinham virando as páginas de um missal, com fecho folhado a ouro.

Confessionários de ponta-cabeça, tomados por corais, bailavam sem gravidade, levando de vez em quando trombadas de tubarões. Um caco de vitral, do quinto mistério do rosário, prendia na areia a conta de água do mês. Paga após o vencimento, com multa e juros de mora.

 
• Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).

Um comentário:

  1. Depois do fim, tudo perde o sentido, até uma catedral. Pensei que você faria um trocadilho após afirmar que o padre morreu deixando a missa pela metade. É que por aqui há um ditado que se fala, quando a pessoa está ouvindo um caso e manifesta grande interesse e susto: "Você não sabe da missa um terço". E assim badala o sino submerso, enquanto os tubarões passam. São inesgotáveis as suas ideias do absurdo, Marcelo. Pena que quem as lê não comenta. Gostaria, assim como Pedro, de saber o que pensam dos temas e das formas.

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