domingo, 23 de setembro de 2012

Aldir Blanc e Mauro Sampaio

* Por Pedro J. Bondaczuk

O que têm a ver o compositor de música popular brasileira, Aldir Blanc, cujo feudo é a Vila Isabel (a mesma de Noel Rosa e cujo estilo de letras, aliás, é semelhante ao do autor de "Feitiço na Vila"), com o saudoso e já falecido ex-presidente da Academia Campinense de Letras, o poeta Mauro Sampaio? Aparentemente, nada! Um é o típico boêmio carioca, retratista por excelência dos morros do Rio de Janeiro, autor de um livro repleto de humor intitulado "Rua dos Artistas e Arredores", com as melhores crônicas que publicou nesse bastião de resistência à ditadura nos anos 70, que foi o jornal "O Pasquim", que popularizou intelectuais e jornalistas como Paulo Francis, Jô Soares e Carlinhos de Oliveira, entre outros, e humoristas como Ziraldo, Millôr Fernandes e Jaguar. Outro, é o autor de versos de rara beleza e maestria, em especial elegias, econômico em palavras e pródigo em poesia.

Confesso que essa relação nunca me havia ocorrido, eu que conheci a ambos. A Aldir, pelas suas composições, entre as mais inspiradas da música popular brasileira. A Mauro, de quem tive a honra de ser companheiro de Academia e, sobretudo. amigo, por livros como "Íntimas Imagens" (editado em Coimbra, Portugal); "Versos" (lançado em 1971, pela Editora Pongetti, do Rio de Janeiro); "Inspiração Estranha", "Poemas para Meditar"; "Albas e Serenas" e "Canto a Três Vozes" (em parceria com B. Sampaio e Elisa Sampaio Serrano).

Quem me chamou a atenção para esse elo, essa ligação existente entre artistas de realidades tão distintas, separados por tão grande distância geográfica, foi o leitor Bruno Ribeiro, em um e-mail que me enviou há já um bom tempo. O autor da mensagem, que se confessa "apaixonado por palavras e pelo ser humano", explica que não conhecia a obra do poeta campineiro, a qual passou a conhecer com a publicação da minha crônica "Brilho da Infância", na coluna que eu assinava no jornal "Folha do Taquaral". "Considero a poesia a mais nobre tradução da alma", acentua. Eu também, Bruno, eu também...

O que chamou a atenção do leitor, nos poemas de Mauro Sampaio, foi exatamente o aspecto que procurei ressaltar e que os tornam tão preciosos, por serem quase singulares: a economia e a precisão das palavras com que constrói seus versos minimalistas, pejados de emoção. Em seu e-mail, sublinhou: "Leminsky (Paulo) escreveu um dia que o poema, quanto menor, mais é do tamanho da China. Assim é com Mauro Sampaio: ao ler aqueles poucos poemas que você nos apresentou, pude visualizar nas palavras as qualidades de pequenos diamantes, incrustados nas paredes do abismo. É como se fossem pássaros delicados, mensageiros de um grande acontecimento". Bruno, você é um excelente poeta!

Ao traçar a analogia entre as letras recentes de Aldir Blanc (estas eu não conhecia) e os versos do saudoso ex-presidente da Academia Campinense de Letras, o leitor reproduz, em seu e-mail, trechos de duas composições do artista carioca. Uma é "Nem cais, nem barco":

“O meu amor não é, num livro antigo,
o odor de rosas que eu recebi.
Não é a ode à lua em Fernando Pessoa,
mas a nostalgia do que não li.
Ah, a chuva desta tarde trouxe o Tito Madi
e só eu ouvia.
O amor é estar no inferno
ao som da Ave-Maria".

Lindo, não é mesmo?!

Os outros versos são da canção "Pálido" e dizem:

"...Sei que vivo de morrer
por ter outra idéia na cabeça.
De tanto brincar com a sorte
pode ser que a morte canse
e me esqueça..."

Pena que poucas pessoas (a exemplo do que ocorre com Mauro Sampaio, que mereceria muito mais destaque do que o que lhe é dado, pelo valor da sua obra), conheçam composições como esta, de Aldir Blanc.

Ou como desta letra jocosa e inteligente, intitulada "Bairrista é tua mãe", publicada no número 358 de "O Pasquim", lá pelos idos dos anos 70, cantada, com música (se não me falha a memória) de João Bosco nos botecos de Vila Isabel e que diz:

"Tá anoitecendo na Tijuca.
Tô em pé na esquina, de mão no bolso,
com cara de besta,
porque hoje...é sexta.
Meu coração não quer desculpa
e exige uma façanha
que seja, pelo menos, da grandeza
da cantada que o sol passa na montanha.
Meu coração exige
que eu me forte como um porte (fala, Millôr),
como um cavaleiro num torneio
--- na Tijuca, torneio que se preze é de sinuca".

E vai por aí afora... Bruno Ribeiro encerra o texto de seu e-mail com um inteligentíssimo trocadilho, com o título do meu livro "Por Uma Nova Utopia": "No mais, por uma nova utopia, vivamos a poesia". Vivamos, de fato, e plenamente, meu amigo! É o pouco que ainda há de bom neste mundo, repleto de injustiças e de violência, onde o "ter" é mais importante que o "ser".

* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk

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