quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Evolução da espécie

* Por Fernando Yanmar Narciso

Assim como nossa geração defende tão fervorosamente a década de 80, e a dos nossos pais idolatra a década de 60 (apesar de tudo de dark que aconteceu no país naqueles tempos), com certeza haverá algum doido daqui a 20 anos dizendo que ninguém jamais criou coisa melhor para a humanidade que o iPad e o Facebook. Será?

Muitos devem se lembrar dos primeiros celulares que apareceram no Brasil na década de 90. Mesmo que nunca funcionassem, eles eram imponentes, chamativos e davam enorme status para quem os adquiria, e as pessoas faziam questão de deixá-los sobre a mesa quando saíam com família e amigos no fim de semana, para que todo mundo os visse. Agora, até mendigos compram celular, como o ex-ministro das comunicações Serjão Motta profetizara naquela década. Ficaram tão pequenos, baratos e com tantos aplicativos e distrações que é muito comum vermos uma roda de amigos no bar onde todos ficam mandando torpedos um pro outro, em vez de conversar. Sabem como é, conversa é uma forma muito arcaica de comunicação, nem nossos avós a usam mais.

Um vizinho do telefone celular que fez muito sucesso no fim dos anos 80 e início dos 90 foi o “tijolão” Walkman. Agora podíamos ouvir em qualquer lugar as fitas K-7 que embolavam e derretiam o som e a rádio FM que só pegava chuviscos. Era muito comum ver pessoas praticando Cooper com aquela caixa de leite pendurada na cintura e um desajeitado headphone nos ouvidos. Até eu já tirei onda com um desses. Tinha 10 anos e achava que estava arrasando, andando pelas ruas desertas do meu antigo bairro de olhos fechados, com aquele trambolho dentro do bolso... Na entrada do novo milênio, as fitas foram enfim substituídas por CDs, e todos na faculdade tinham seus também “discretíssimos” Discmans, que não tardaram em serem substituídos por MP3 players, pequenininhos, frágeis e baratos. E aqui estamos nós, com nossos smartphones que fazem de tudo, inclusive tocar funk carioca no último furo dentro do ônibus lotado às 6 da manhã. Este sou eu, é nisso que eu acredito! Ouçam-me!

A idéia parece absurda hoje, mas, por muitas décadas, a música teve um preço. Dá pra acreditar? Precisávamos pôr a mão no bolso e pagar por formas físicas de música. Quando músicos entravam em estúdio para gravar um disco tinha que valer muito a pena, porque era um processo caro e trabalhoso, logo os discos tinham que ser bons da primeira a última faixa.

A popularização dos CDs e, principalmente, dos grupos de pagode baianos na década de 90 foram os destruidores da nossa indústria musical. Quer dizer, coloque um CD, um disquinho de plástico brilhoso com 15 centímetros de diâmetro ao lado de um bolachão preto e me diz qual das duas mídias impõe mais respeito.

Apesar da qualidade duvidosa, tanto de figurinos como composições e atitude de palco, a “bundalização” da música brasileira da década retrasada serviu para nos mostrar uma coisa: Quem estourou nas décadas anteriores como Raul, Chico, Caetano, Gil, João Gilberto e Zé Ramalho, ou bandas como Barão, Titãs, Engenheiros, Legião e RPM, nenhum deles falava/ fala em nome da maioria. Sempre pertenceram à classe mais escolarizada e contestadora, nunca fizeram parte dos esmagadores 99% da população, alienados e incapazes de entender a maioria das composições deles. Músicos mais simples como Wando, Evaldo Braga, Waldick Soriano, Odair José e Amado Batista são as verdadeiras vozes do povão, com sua simplicidade emocional e cultural. Dessa fonte é que bebem todos os populixos, do É o Tchan ao sertanejo pop moderno.

Agora o besteirol reina triunfante. Qualquer cantor “universitário” vira ídolo da multidão. As letras parecem aquelas comédias americanas de faculdade: Só falam de baladas, bebedeira, sexo casual, egocentrismo e falta de noção. Já de enfiar a cara nos livros, que não apenas eles como todos os seus fãs deviam estar fazendo, ninguém quersaber. Estudar é para os comuns. Para quem quer ser médico, engenheiro ou advogado, e disso o planeta já tá até a tampa. Diploma é para os fracos. Queremos fama, dinheiro, mulher e carrão italiano, e queremos agora! É a evolução, baby! Mesmo que seja à custa do aprimoramento de nosso intelecto, mas não deixa de ser.

*Designer e escritor. Site: HTTP://terradeexcluidos.blogspot.com.br

Um comentário:

  1. O mais interessante é que quando surge uma nova tecnologia, ingenuamente dizemos que não iremos adotá-la. Quanto engano. Após a primeira quebra de preços pós-novidade, lá vamos nós comprar e nos orgulhar de, se não fomos os primeiros a adquiri-lo, pelo menos não seremos os últimos. Mesmo não sendo consumistas na nossa casa, entramos nesse tipo de gasto.

    ResponderExcluir