sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Especiarias

* Por Jair Lopes

Lembro do tempo da escola fundamental quando, nas aulas de história do Brasil, as professoras se referiam ao “comércio com as Índias” que teria impulsionado as grandes navegações portuguesas que resultaram nos grandes descobrimentos. Vasco da Gama teria chegado às Índias contornando o Cabo da Boa esperança e navegado pelo oceano Índico até a “terra das especiarias”.

Bem, tudo facilmente assimilado até certo ponto, mas, quando surgia a palavra especiarias a coisa empacava, meio que os textos se tornavam herméticos, as professoras mal sabiam o que eram as tais especiarias e se limitavam a dizer que eram cravo, canela e pimenta do reino. Ora, esses conhecidos temperos eram usados em doses parcimoniosas na culinária daquela época; eram obtidos no comércio local, embora nem sempre muito baratos, mas não havia como entender que tais complementos pudessem ser objeto de caríssimas, longas e complicadas viagens através do mundo para obtê-los. A mim parecia que ninguém tinha conhecimento ou capacidade para explicar essa engenharia comercial que resultou nas mudanças que formaram o mundo no qual vivíamos.

Especiarias? Temperos culinários movendo o mundo? O que é isso? Vivi com essas indagações incrustadas no cérebro por anos a fio. A coisa ainda ficava mais interessante quando a gente percebia que a palavra especiaria só era usada nos livros de história, não havia registro em outros lugares a não ser em dicionários. Ninguém dizia: “Vai ali na venda do seu Zé comprar duzentas gramas de especiaria para o almoço”; Não havia referências como: “Aqui se vendem especiarias”, ou “Grande liquidação de especiarias”. Guardadas as diferenças especiaria era como “de onde vêm os bebês”. Todo mundo sabia, mas ninguém dizia. Limitavam-se a cegonhas e outros que tais.

Pois, passados muitos anos, quando já nem mais me lembrava do termo, lendo um livro sobre a história do sal, encontro lá as melhores explicações sobre as tais especiarias. Pimenta do reino, canela, cravo, noz moscada e macis (óleo que se extrai da noz moscada) eram os substitutos do sal na conservação da carne. O sal era artigo de luxo, caro e raro, portanto, numa época que inexistia geladeira, as especiarias serviam como conservantes naturais das carnes a serem consumidas dias após o abate. Contudo, o grande óbice para seu consumo é que eram cultivadas “nas Índias”, na verdade Indonésia, Singapura e adjacências, não exatamente na Índia atual. Daí, foram empreendidas as grandes navegações depois que os turcos conquistaram Constantinopla e passaram a controlar o comércio por terra. Os portugueses foram os primeiros a aportar em Calicute, mas em seguida holandeses, franceses e ingleses formaram frotas próprias para a busca incansável e milionária dos temperos que permitiram europeus comerem carne conservada ao invés de pútrida como vinham fazendo a séculos.

Os condimentos referidos não eram usados porque adicionavam sabor especial à carne e seus derivados, e sim porque possuem óleos essenciais que tem efeito biocida impedindo a proliferação de bactérias que deterioram o alimento. Por exemplo, o óleo de cravo, produzido por um processo de extração, é constituído basicamente, por eugenol (70 a 80%). O eugenol é um composto aromático com efeito anestésico e anticéptico comprovado cientificamente.

Então aí está, temperos, condimentos ou especiarias tiveram influência crucial na história da humanidade, não dá para subestimar o poder de coisas aparentemente tão banais.

• Escritor, autor dos livros “O Tuaregue” e “A fonte e as galinhas”.

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