terça-feira, 19 de junho de 2012

Prestígio consensual

A função do crítico – atue em que setor artístico for – nem sempre é bem compreendida, nem pelo próprio, ou seja, o que critica e nem, principalmente, por quem é criticado. Em raro setor de atividade o fator vaidade é tão grande e decisivo quanto no das artes. Todo artista – uns mais e outros menos – é vaidoso até por natureza e nem sempre isso é negativo. Depende da intensidade. Afinal, até a mais lídima das virtudes transforma-se em defeito quando exacerbada. Ninguém gosta de ser criticado, isto é bastante óbvio, embora alguns absorvam com mais tranquilidade as críticas (e lidem melhor com elas) do quer outros.

Todavia, uma avaliação abalizada, serena, isenta e competente de uma obra artística – seja ela um quadro, uma escultura, uma sinfonia, um livro ou uma peça teatral – é importantíssima para o seu autor. Afinal, detecta não apenas seus defeitos, alguns dos quais passam despercebidos, que devem ser corrigidos nos trabalhos posteriores, mas suas virtudes, suas inovações, suas descobertas e constatações. Da minha parte, prefiro mil vezes uma opinião – mesmo que negativa – sobre os textos que escrevo do que o incômodo silêncio, a total indiferença em relação ao que produzi.

É certo que há críticos e críticos. Como em toda a atividade, há os competentes, preparados, eruditos e isentos e os meros “páraquedistas”, que caem, meio que por acaso, em uma função para a qual não estão preparados. Para exercer bem essa tarefa, requerem,-se virtudes e habilidades que nem todos têm. No caso da literatura, por exemplo, exige-se absoluto conhecimento da matéria, de estilo, história, tendências etc, Afinal, a crítica literária é um dos gêneros dessa nobre disciplina. Para exercê-la, é preciso, além de bom gosto e intuição, conhecimento, ou seja, sólida cultura geral e imensa dose de erudição.

Por paradoxal que pareça (e de fato seja), há mais críticos sendo criticados do que criticando produções alheias. Claro que boa parte dessas manifestações é mera resposta dos medíocres, dos sumamente vaidosos que se sentem “ofendidos” com alguma avaliação negativa das obras que produziram. Não só não aceitam críticas, como acham que não têm nada a mudar nos respectivos estilos, temas ou seja lá no que for. Raramente algum crítico, seja de que arte for, é consensualmente respeitado e sequer acatado, quanto mais reverenciado. Há, todavia, uma grande, honrosa e maiúscula exceção.

Quando se fala em crítica teatral no Brasil, um nome vem, imediatamente, à baila, como ocorria, por exemplo, com Pelé, quando o atleta do século XX estava no auge, em atividade e o assunto era futebol. Refiro-me ao mineiro – nascido em Belo Horizonte em 9 de maio de 1927 – Sábato Antonio Magaldi. E ele não conquistou o ilibado prestígio de que goza, a inabalável credibilidade, o grau de excelência na atividade, fazendo “média” com quem quer que fosse. Nem criticando a torto e a direito, pelo simples prazer de criticar, sem coerência e sem critério. Muito pelo contrário. Foi implacável, sim, com o mau teatro. Mas foi justo com os que se mostraram competentes, criativos e inovadores.

Uma excelente oportunidade para o leitor conhecer um pouco mais desse erudito homem de letras é o livro, recém-lançado pela Editora Perspectiva, “Sábato Magaldi e as heresias do teatro”, de Maria de Fátima da Silva Assunção, atriz e professora da Universidade da Cidade, no Rio de Janeiro. A obra é uma adaptação da sua tese de doutorado na UNI-Rio. Trata-se de lançamento indispensável para quem pretenda conhecer um pouco da trajetória dessa milenar arte de comunicação no Brasil.

Destaco a concepção de “crítica”, na visão de Sábato Magaldi. Trata-se de manifestação feita por e-mail pelo ilustre crítico, quando da recente comemoração do seu 85º aniversário (e, felizmente para os amantes de literatura, ainda em plena atividade). Define: “Crítica é um exercício de crença e autenticidade pessoal e é só por esse meio que se impõe. A função do crítico é muito objetiva: apesar de assistir à peça como um espectador normal, ele precisa de um preparo técnico para explicar bem sua opinião. Além disso, é preciso ler muito, especialmente o trabalho de outros críticos. Um bom profissional precisa ser sensível às mutações contínuas da realidade teatral, e, acima de tudo, saber se expressar”.

Talento para escrever, e bem, nunca faltou a Sábato Magaldi. Tanto isso é verdade que ele ocupa, com justiça, uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Além de crítico teatral, é, também, teatrólogo, jornalista, professor, historiador e ensaísta. Tem quinze livros publicados, um dos quais é a edição das obras completas do também jornalista e teatrólogo Nelson Rodrigues, seu amigo, pela Editora Global, em vários volumes. Aliás sobre essa publicação, a enciclopédia eletrônica Wikipédia acrescenta: “... (Magaldi) foi responsável pela classificação de suas peças segundo tema e gênero (Tragédias Cariocas, Peças Míticas e Peças Psicológicas). Seus prefácios às peças são verdadeiros ensaios sobre a obra do dramaturgo”.

Sábato Magaldi iniciou a carreira no começo dos anos 1950 no Diário Carioca, tão logo se mudou de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro, após haver se bacharelado em Direito na capital mineira. No jornal, substituiu seu ilustre conterrâneo, Paulo Mendes Campos. Estudou e posteriormente lecionou na França, na prestigiosa Sorbonne e, ao voltar ao Brasil, fixou-se em São Paulo, onde vive até hoje. Foi lecionar na Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo, mas sem abandonar a função de crítico.

Consagrou-se pelos seus textos seguros, corretos, claros e isentos nas páginas do Suplemento Literário de O Estado de São Paulo e no Jornal da Tarde. Maria de Fátima acentua sua personalidade no exercício da sua função: “Mesmo muito jovem, ele já tomava posições ousadas. Em muitos sentidos, foi um visionário. Os textos que escreveu sobre Nelson Rodrigues, no calor do momento, são tão atuais que poderiam ter sido escritos hoje”. Poderiam, de fato.

Maria Eugênia de Menezes, em recente análise sobre o livro “Sábato Magaldi e as heresias do teatro”, encerra da seguinte forma sua lúcida avaliação da obra: “E (o crítico) carregaria sempre consigo a lição aprendida nos anos de juventude. Não importa qual fosse a função, ele se guiou por um mesmo princípio: escrever para ser entendido, criticar para ajudar a crescer, abrir as portas do universo teatral para quem quisesse entrar”. Afinal, credibilidade não se obtém gratuitamente, se conquista. E esta é, sem a menor sombra de dúvida, o principal capital deste que é o mais acatado e o mais respeitado crítico teatral brasileiro: Sábato Magaldi.

Boa leitura.

O Editor.

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2 comentários:

  1. Editorial do Literário são realmente importantes. Não perco esse universo fabuloso dos bons momentos que proporciona a todos nós, Pedro. Falando de peças teatrais, valeu a pena adiantar em última análise, quando encerra: “E (o crítico) carregaria sempre consigo a lição aprendida nos anos de juventude. Não importa qual fosse a função, ele se guiou por um mesmo princípio: escrever para ser entendido, criticar para ajudar a crescer, abrir as portas do universo teatral para quem quisesse entrar”. "Afinal, credibilidade não se obtém gratuitamente, se conquista. E esta é, sem a menor sombra de dúvida, o principal capital deste que é o mais acatado e o mais respeitado crítico teatral brasileiro: Sábato Magaldi."

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  2. Aprendendo bastante aqui, Pedro. Valorizo os seus pontos de vista e os seus acréscimos, inclusive em pesquisa. Imaginava o crítico alguém tão técnico que deveria ter uma linguagem inacessível, algo que apenas outro crítico pudesse entender. Então me perguntava para quem os críticos escreviam. Para outro crítico? Você veio clarear um pouco a minha ignorância.

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