segunda-feira, 25 de junho de 2012

Contra a indiferença


* Por Ivo Theis


Em fins de abril, o país viu – diga-se: com uma indiferença assustadora – como os seguranças do Supremo Tribunal Federal “dominaram” Araju Sepete Guarani, na ocasião em que este defendia o direito dos indígenas, durante votação sobre cotas raciais em universidades.

Essa indiferença tem relação com valores, estereótipos e, às vezes, preconceitos. Conquanto se manifeste, com impressionante frequência, do Oiapoque ao Chuí, parece mais acentuada (e frequente) em Aldeias como a nossa. Aqui, aliás, tem raízes históricas. É o que se depreende da leitura de excepcional texto assinado pelo médico Hugo Gensch, “A adoção de uma criança indígena: contribuição prática para solução da questão indígena sul-americana”. Trata-se de documento editado em 1908 e agora republicado pela revista Blumenau em Cadernos (tomo 53, número 2, março-abril de 2012) – com bela tradução de nosso colunista Cezar Zillig.

Tomando a adoção de uma criança indígena como pretexto, Gensch se debruça sobre as relações entre a comunidade de imigrantes e os índios da região. O senso comum era de que os indígenas eram violentos e significavam uma ameaça aos inofensivos brancos – que construíam nessas terras, já fazia meio século, uma civilização que não previa a presença dos “primeiros moradores”. Contra esse senso comum, Gensch informava que “em 58 anos em Blumenau ainda não pereceram 40 pessoas mortas por índios. No entanto [...] a este número se opõem centenas de vítimas marrons”. Mas Gensch sintetiza tudo numa frase, logo no início de seu documento (p. 13), afirmando que “a história dos índios do nosso estado (o autor se refere a Santa Catarina) até agora não tem passado de uma guerra de extermínio”.

Poucas semanas atrás esteve em cartaz a belíssima película de Cao Hamburger (produção de Fernando Meirelles), “Xingu”, que mostrou parte do drama vivido por parte dos povos de Pindorama que sobreviveu à chegada dos portugueses.

O que conecta o drama dos indígenas exilados no Parque Nacional do Xingu (e, assim, salvos da fúria dos brancos) e o extermínio perpetrado contra os índios que viviam na região de Blumenau é a indiferença. Tanto o filme de Cao Hamburger quanto o texto do médico Hugo Gensch lançam luz sobre uma história que, até aqui, foi escrita à base de estereótipos e preconceitos. É o seu mérito.

• Professor, economista e doutorado em Geografia

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