terça-feira, 19 de junho de 2012

Cilada

* Por Ione Jaeger

Alô! Senhor Rosendo?

– Com certeza! Ele mesmo! Quem está no aparelho?

– Ana. Podemos conversar?

– Perfeito! Fala guria! Que tu quer?

– Peguei o número do seu telefone na agência de casamento “Boquê de Noiva”. Você, ainda, está à procura de alguém?

– Com certeza! Estou solito esperando pela mulher ideal!

– Qual o perfil da mulher ideal? Quais os aspectos: intelectual, físico, moral? Passatempos, preferências etc?

– Buenas! Cabelos longos, que não use calças compridas... Não gosto de mulher de cabelos curtos, nem que vá ao baile de eslaque... Ô vizinha, você não me disse sua graça...

– Meu nome é Paula. Sou...

– Oia, vizinha, tu já deve saber como eu sou. Deixei lá com a mulher da agência meu retrato e escrito num papel como eu quero a gata. Se você não está dentro das linhas que eu pedi... Bem... Podemos ser somente bons amigos. Não quero desiludir “ninguna” moça. Sou homem católico, filho de pais direitos, vão à missa todos os domingos.

– Seu Rosendo! Eu...

– Sabe, dona, quero uma namorada magrinha, cabelos pretos, longos, que use minissaia, tenha mamicas... Qual o número do seu corpinho? Tem que ser 44 ou 48.

– Mas...

– Qual os teus anos? Quero uma mulher até quarenta anos, tenha saúde boa. Estou com 63 aniversários nas costas, fiz o último em janeiro, quero uma moça nova que possa cuidar de mim quando eu estiver doente. Você tem veias nas canelas? Usa óculos? Os cabelos são brancos, bota pintura?

– O senhor é exigente, heim!

– Minha deusa, não é ser egigente. O poblema é que estou escolhendo uma mulher para viver junto, o resto da vida. Sou direito, não quero caso. Não abuso nem brinco com uma guria hoje e outra amanhã. Quero coisa séria.

– Senhor Rosendo, o senhor espera encontrar es...

– Encontro, sim! As mulheres estão loucas para casar comigo. É só me ver e se apaixonam. Sou bonito. Faturo seis contos por mês. Quero uma noiva professora ou contadora para cuidar dos meus negócios. Não confio em empregados. Enxergo male. Não gosto de botar óculos...

– Curioso!!!...

– Tem mais, ô vizinha. Mulher minha tem que cozinhar, lavar roupa no tanque (máquina estraga as roupas e duram pouco), tem que limpar a casa, cuidar dos cachorros e, de noite, brincar comigo na cama.

– Hum! Até que ano você estudou, Rosendo?

– Dos meus oito ermões, sou o que tem mais aula. Tenho o terceiro livro.

– Ah!...Hum!...

– Mas, óia moça, os meus filhos são estudados. Um rapaz é guarda-livro, o outro trabalha num banco, a moça, graças a Deus, é professora. Tudo solteiro. Moram em outras cidades. Não casaram porque tem medo de arrumar companheiro de olho na grana do pai. Ô, gata, qual é mesmo teu nome? Tu é alemoa ou brasileira? Italiana não é, porque italiana fala gritando e tu fala baixo e tem voz bonita. Tu é solteira? Tem filho? Ainda tem as regras? Não quero companheira que já tirou os aparelhos internos de mulher. São frias e secas. Não tem hormonhos. Você sabe que mulher que come muita galinha fêmea são cheias de hormonhos? Para se acertar comigo tem que brincar duas vezes na semana. Ué! ficou muda? Eu gosto de mulher assim, que fale pouco. E, ói, tô gostando de ti, guria. Acho que vamos se acertar. Óia, queridinha, eu gosto de dançar. Vou nos bailes de final de semana. Danço tudo. As mulheres, novas ou velhas, largam seus homens para dançar comigo. Podemos frever por aí. Você tem coxas grossas? Porque muié de coxa grossa dança mal, pesada. Também não é barriguda nem bunduda, correto?

– Rosendo, você fala muito!

– Tem que ser, vizinha! O macho é que canta a fêmea. Até nos animais é assim. O João-de-barro prende a fêmea quando ele não quer mais.

– Rosendo Daschell, o senhor pode me ouvir para conversarmos um pouco?

– Ué, vizinha, o que estamos fazendo? Tu, ainda não respondeu as minhas perguntas. Tu fuma? Tem dente ou chapa? Dirige? É carinhosa? De noite gosto de ver a novela das oito e ficar namorando, brincando nas tentinhas na minha gata...

– O quê?...

– Se assustou? Vou ter que lhe mostrar muita coisa... Ainda não me disse seu nome nem me deu seu telefone...

– Agora quem fala sou eu. Meu nome é Marli. Não lhe interessa o meu manequim, nem minha idade, não tenho veias (sou a mulher biônica), não uso óculos, uso lentes e não dou meu telefone. O senhor se quiser vai comprar um. Liguei para o senhor porque estou fazendo um novo cadastramento para a agência de casamento que mudou o nome. Agora passa se chamar “Flecha de Cupido” e queria saber do seu interesse em continuar escrito, pois sua contribuição venceu o prazo de validade, renovar suas preferências e outros dados. Vi, porém, que o senhor não procura uma namorada, o senhor quer uma cozinheira, uma lavadeira, uma faxineira, uma auxiliar de escritório, uma enfermeira, uma dançarina, uma boneca para brincar... Se quiser se acertar comigo, vá primeiro adquirir o 4º, o 5º, o 6º, o 7º..., até o último livro que não lhe faça dizer tantas asneiras...

Dois meses depois, Tereza (Ana, Paula, Marli...), balzaqueana, quase terceira idade, solteira, cabelos curtinhos e louros, fofinha, manequim 48, fortes óculos com aros escuros, fumante inveterada, formada em Sociologia, compareceu em frente ao juiz e ao padre, para se tornar a senhora... Daschell

– Até que a morte os separe!

Do Livro BAÚ DE PROSA, 1999 - pág 09

• Poetisa e escritora

Um comentário:

  1. e bota prosa nisso hein kkkkkk
    Muito bom o texto, me diverti lendo...
    parabéns !

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