sexta-feira, 18 de maio de 2012

Mestra da vida?

A História é a mestra da vida”. Desde que eu era bastante jovem (e, convenhamos, isso já faz um tempão!), ouvi, reiteradamente, como se fosse uma espécie de mantra, essa dogmática afirmação, com suposto foro de verdade. Nunca concordei com ela. A princípio, minha discordância não tinha qualquer fundamento, digamos, filosófico. Era somente intuitiva. À medida que fui me instruindo, essa convicção acentuou-se, mais e mais, embora nunca fizesse dela (e não faça) nenhum dogma. Caso me convençam, e me comprovem, que é exata, mudarei de postura, sem nenhum problema. Até hoje, todavia, ninguém me convenceu.

De tanto ser feita (e repetida), nos mais variados contextos, essa afirmação transformou-se em surrado clichê, desses tantos, chatos e ocos, que há por aí. Da minha parte, eu inverteria a proposição. Afirmaria, mas não de forma dogmática, ou seja, de algo que sequer deva ser discutido e muito menos contestado, sem que seja eventual tema tabu, que “a vida é que é a mestra da História”. Pelo menos deveria ser. Há pessoas, admito, que não aprendem nada com nada e ninguém. Temo que sejam a maioria.

Todavia, desde 1991, com a desagregação da União Soviética e com o fim da Guerra Fria, passei a ouvir, reiteradamente, outra proposição: “A História acabou. A prevalência do liberalismo econômico é tão absoluta no mundo a ponto de não mais sofrer contestação em parte alguma, nem no Leste e nem no Oeste, no Norte ou no Sul”. Esta tese foi apresentada, na verdade, em 1989 (antes, portanto, do fim da URSS e do Pacto de Varsóvia). Todavia, ganhou corpo em 1991, com o colapso do império comunista.

Seu autor foi o então jovem norte-americano (tinha, na oportunidade, 37 anos de idade) Francis Fukuyama, filósofo, mentor intelectual da política externa do governo do presidente Ronald Reagan e destacado funcionário do Departamento de Estado dos Estados Unidos. Essa conclusão (que o tempo se encarregou de provar que era, no mínimo, precipitada), causou, na oportunidade, debates e intensa polêmica, principalmente nos meios acadêmicos. Muitos ainda sustentam essa tese, posto que com ênfase muito menor do que na ocasião. Uns apóiam-na, fanaticamente, acrescentando novos argumentos. E muitos atacam-na, muitas vezes até sem refletir, apenas para serem do contra.

O fato é que Francis Fukuyama conseguiu agitar os meios acadêmicos com uma proposição aparentemente nova. Na oportunidade, escrevi um ensaio a respeito, que publiquei no jornal em que trabalhava, o Correio Popular de Campinas, na edição de 21 de julho de 1991. Procurei ser o mais objetivo possível, arrolando sólidos argumentos contrários a tão precipitada conclusão. Provei que a tese do fim da História sequer era nova. O primeiro a levantá-la foi o alemão G. W. F. Hegel. E sabem quando ele o fez? Em princípios do século XIX, ou seja, em 1806. Foi durante o período de dominação da Europa por Napoleão Bonaparte. O tempo se encarregou de desmentir Hegel. O mesmo acontece agora em relação a Fukuyama.

Não nego a lucidez do teórico norte-americano. Entendo, apenas, que ele se precipitou na conclusão, movido, certamente, pelo entusiasmo, que não deveria influenciar alguém que deve ter na objetividade o seu alicerce. Sua tese foi exposta num lúcido artigo, publicado na revista “Diálogo” (publicação de ciência política que era trimestral), na edição referente ao último trimestre de 1990. Afirmou que a vanguarda da História da humanidade foi alcançada naquela ocasião e chegou, então, ao final.

Por uma questão de justiça, fazem-se necessárias algumas explicações básicas. O cientista político norte-americano em momento algum afirmou que o “relato histórico” tenha acabado. Não disse que ninguém mais poderia ou não iria escrever livros, compêndios, rascunhos, resenhas ou seja lá o que for sobre fatos passados. Nem defendeu a destruição de arquivos e documentos por terem se tornado inúteis. Não é esse o sentido do “fim da História” que defendeu.

O mexicano Octávio Paz, que além de escritor, emérito ensaísta e poeta (ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 1990), era diplomata e perito em ciência política, em entrevista publicada em 13 de julho de 1991 no “Caderno de Sábado”, do “Jornal da Tarde”, lançou luz sobre a posição de Francis Fukuyama. Afirmou: “A História começou com o homem e só acabará com ele. O que terminou foi a idéia de história como referente universal. As filiações não serão absolutas. É claro que haverá filiações, mas elas serão pessoais. A cada qual sua história, ao sabor das afinidades. Cada geração inventou seus clássicos. Cada homem inventará seu presente e seu passado”.

Francis Fukuyama apresentou sua polêmica e controvertida tese em junho de 1989, numa revista de circulação restrita, especializada em política externa dos Estados Unidos, a “National Interest”. O título do artigo era posto em tom interrogativo (a exemplo do que faço com estas reflexões) e não afirmativo. Era: “Será o fim da História?”. E você, perspicaz leitor, o que acha? Qual sua resposta às duas indagações, a de Fukuyama e a minha? Voltarei, certamente, ao assunto.

Boa leitura.

O Editor.

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