quinta-feira, 19 de abril de 2012









Frango com farofa

* Por Fernando Yanmar Narciso

Nem te conto, menina. A Europa está um tédio! Eu e meu amante fomos passar a semana esquiando em Sölden, nos Alpes Austríacos e quase não nevou! Dá pra acreditar? E as boutiques em Paris estão uma exploração só! Sabe quanto tive de pagar na Zara por um porta-moedas de pele de chinchila? 500 Euros! E a Itália? Nunca vi tanta gente mal-educada, que sai trombando em todo mundo na rua sem motivo nenhum. Cadê a Polizia quando a gente precisa dela? Sempre falam de como a Itália é bonita, mas tudo que eu vejo lá é um monte de prédio velho mofado...

Dá vontade de vomitar, né? Se você assistiu TV nos últimos 20 anos ou tem alguma tia na família, sabe que essa é uma das inúmeras conversas fúteis e sem nenhuma relevância, facilmente vistas nos núcleos ricos das novelas.

Durante muitos anos, as tramas das novelas das 9 giraram em torno desse estereótipo de pessoas “glamourosas”, chiques e metidas a besta. Como Gilberto Braga, o campeão de criar esse tipo de personagens já disse, novela serve para vender sabonete. Você vê na tela todo aquele brilho, aquelas jóias, aqueles vestidos e fica morrendo de vontade de entrar no site da Globo Marcas e comprar as réplicas. “Se eu usar esse brinco, vou ficar tão linda como a Taís Araujo...”

Pois bem, isso virou coisa do passado! Apesar de ter sido de um jeito meio torto, Aguinaldo Silva com seu folhetim Fina Estampa mostrou aos altos executivos da Globo o que as donas de casa suburbanas realmente queriam ver na TV: A si mesmas. A audiência de classe C se cansou de ver essas dondocas que compram iPhones para o chihuahua de estimação e querem ver coisas mais realistas, pessoas mais parecidas com elas, com os mesmos problemas delas, os mesmos anseios. Resumindo, por mais estranho que pareça, pobre quer ver é pobre na tela.

E a Vênus Platinada, que não é boba, percebeu isso no ato e resolveu liberar geral. Na apresentação da programação de 2012, a mensagem que eles passaram claramente foi: Agora são os banguelas no poder!


Eu sei, eu sei... Nesse instante, as dondocas noveleiras do país devem estar todas se ajoelhando no milho e suplicando “POR QUÊÊÊÊÊÊÊ?!?”. Mas não se desesperem. A menos que tenham abandonado o padrão Globo de qualidade, não veremos nenhum pobre “verdadeiro” no horário nobre. Nada de família do morro com 12 filhos e uma mãe com os dentes tortos saindo pra fora da boca, Janycleydes fazendo espetinho de gato na laje, botijão de gás e liquidificador enfeitados com pano florido, estrelinha feita com bucha de Assolan na festa de São João, Fuscas e Chevettes enferrujados circulando, dentre outros indicativos de pobreza.

A idéia da Globo é mostrar a ascensão do proletariado, os novos responsáveis pela movimentação de capital no país. Em suma, eles querem mostrar os pobres, mas deixando de ser pobres. Jogada um tanto desonesta para conosco, não acham?

Mas no primeiro momento a pobreza vai ser o centro de tudo. Vejamos a sinopse da nova trama das 9, Avenida Brasil, de João Emanuel Carneiro- Já devidamente apelidada de Avenida Plasil. A trama em torno de um aterro sanitário onde crianças abandonadas de várias gerações moraram ou moram, incluindo a protagonista Rita, que foi abandonada lá na infância pela madrasta Carminha – afinal, é isso o que esperamos das madrastas de ficção, não é? A pobre logo foi adotada por uma família argentina e volta ao país 20 anos mais tarde como Nina (Débora Fallabella), com o coração cheio de ódio e doida de vontade de cravar os caninos na jugular da madrasta (Adriana Esteves). Vão me bater agora, mas como se não bastasse o núcleo do lixão, Murilo Benício interpreta Tufão, um grande ídolo do Flamengo, time esse já famoso por ser “do povão”. E a cereja do bolo é que Carminha contratou simplesmente a negra de Tom & Jerry como doméstica! O estereótipo racial mais antigo do mundo, mas pelo menos dá pra ver a cabeça da nossa versão.
A próxima novela das 7, Cheias de Charme, promete ser ainda mais “verossímil”: Três “secretárias do lar”, as três chamadas Maria, logo largarão a vida de aspirador e avental para se tornarem as novas musas do tecno-brega do país. Imagino que os autores da trama devam ouvir Beethoven enquanto escrevem...

A grande questão aqui é: A partir de que ponto a homenagem se torna discriminatória?

Estariam os chefes da emissora subestimando o intelecto da classe C trazendo essas histórias popularescas, que nos satirizam e estereotipam?

Mesmo com essa polêmica, veremos por algum tempo essa idéia de pobreza pasteurizada sendo a palavra de ordem no canal... Vai um sabonetinho aí?

• Designer e colunista do Literário.Blog Terra de Excluídos, http://terradeexcluidos.blogspot.com

2 comentários:

  1. Arrasou no escracho sobre a tentativa de falar da pobreza de maneira pitoresca na Vênus Platinada.

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  2. A pobreza esta na janela, há os que ousam ignorar, mas os "atrevidos" ousam retrata-las, porem esta ousadia esta na fidelidade. A sociedade quase sempre é hipocrita com pipocas, ainda bem que existem as regras da exceção... parabéns pelo texto.

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