quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012







Amargores da burocracia

* Por Mara Narciso


A única função de um documento pessoal é estar com seu dono. Nenhuma argumentação justifica a ausência do mesmo. Ainda mais a CNH, a Carteira Nacional de Habilitação, carteira ou carta. Seu porte é obrigatório. Para tê-la e com ela adquirir o direito de dirigir veículo automotor é preciso ser imputável (compreensão para ser punido), ter 18 anos completos, saber ler e escrever, possuir carteira de identidade e CPF.
Com um retrato 3x4 recente, documentos e comprovante de residência a pessoa deve procurar uma auto-escola ou Centro de Formação de Condutores (CFC), fazer exame médico e psicológico – o psicotécnico –. e então poderá ter aulas de legislação, as leis de trânsito com suas regras e placas. Serão 45 horas de aulas, avaliação e então o candidato a motorista vai para a rua. Lá, serão pelo menos 20 horas de aulas práticas, sendo 20% noturnas.
Apenas quando houver segurança, desenvoltura, e domínio do veículo, se deve fazer o teste de direção. Este momento costuma ser tão tenso quanto um vestibular ou casamento. E toda a sorte de desculpas serve para justificar a perda, caso aconteça. A culpa não costuma ser a falta de habilidade do candidato, mas sim a malvadez dos avaliadores e possível corrupção do sistema, dizem os reprovados. Quando o indivíduo vence seus terrores e consegue sua primeira habilitação (licença para dirigir por um ano e depois poderá requerer a carteira definitiva), precisa esperar em casa pela chegada do documento. Explode de prazer, ao finalmente alcançar sua verdadeira autonomia, o direito de ir e vir, pois liberdade não é “uma calça velha azul e desbotada”, e sim um carro novo e com gasolina suficiente para se ir a qualquer lugar. De preferência com sua CNH, e uma boa companhia.
Ter carro próprio é o segundo sonho de quase todos. O primeiro é a residência. As ruas entupidas estão aí, com seu trânsito engarrafado, para comprovar esse sonho, o que frustra o sonhador. As cidades médias já experimentam as ruas travadas por excesso de veículos em vários horários do dia. Apesar da velocidade do metrô, ainda persiste a ilusão de independência que o automotor particular pode dar.
Disposição para aprender as leis de trânsito quase todos têm, porém obedecê-las, não é o que se vê por aí. Precisa-se de maior civilidade. Quanto eu posso fazer para melhorar o trânsito?
Mas a carteira desapareceu. Perda por descuido, furto (para quê?), destruição por acidente? Ao notar a falta do documento é preciso fazer o B.O., o Boletim de Ocorrência, na Polícia Militar e de posse dele pegar no DETRAN o boleto para pagar no banco a segunda via da CNH. Segundo os órgãos responsáveis, são necessários cinco dias úteis para o documento ser entregue na casa do displicente. Detalhe: é proibido dirigir enquanto a carteira não chega, pois é exigido portar o documento original.
No Poupa Tempo, em São Paulo, é possível pegar a segunda via em 30 minutos. Diante da tecnologia acessível a quase todos é inaceitável ficar mais de uma semana preso, sem poder dirigir, olhando a chegada do carteiro e o atraso nos prazos, mesmo sem enchentes ou outros desastres naturais, além das greves. Como alguém que esperava cartas dos namorados antigamente, antes dos e-mails, olha-se a rua, até secar os olhos, e a CNH não vem.
Embora seja lei, não parece razoável a ausência de outra alternativa. Com um clique se faz uma revolução, se convulsiona o mundo e não se faz uma carteira de motorista instantânea? O que pensar desse atraso? É evitável, mas a inoperância praticamente obriga o cidadão a andar errado.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”-

8 comentários:

  1. É Mara, infelizmente vários procedimentos nos órgãos públicos ainda não assimilaram a velocidade da tecnologia e nós, acostumados com a rapidez de um "click", não aceitamos mais a pasmaceira da burocracia... Haja paciência!
    Abraços!

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    1. Marleuza, serviço público demorado já faz parte da nossa vida, no entanto, uma coisa que poderia ser imediata, demorar, como foi o meu caso, nove dias, amarga. A tentação de sair sem o documento original é grande. Fica o meu protesto, pois creio que em breve receberemos de imediato qualquer segunda via, desde que seja paga a taxa no banco. Obrigada por comentar.

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  2. Minha meta para 2013 é aprender a dirigir. Não tenho pressa. Por enquanto continuarei caminhando, indo de táxi, de ônibus, de metrô, de bike, de avião rs...e prometo guardar com cuidado minha carta assim que ela estiver aqui comigo. Abraços, Mara.

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    1. Eu não tive o devido cuidado e fiquei com um problemão: não ter quem dirigisse para mim.
      Agradecida pela presença, Sayonara.

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  3. Há as coisas publicas bem como aquelas de interesse publico. Ambas o cidadão comum é sempre preterido o mesmo não acontece com os senhores das coisas publicas, se bem que muitos deles andam errados e usa o velho chavão: "você sabe com quem você esta falando..." ou mesmo aquele para os amigos tudo, para os outros a lei... triste Brasil tupiniquim

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    1. No Brasil a "carteirada" é uma instituição mais sólida do que a própria CNH. Podemos começar o combate a esse vergonhoso hábito por nós mesmos: entendendo que a fila nos torna iguais e aceitando isso.

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  4. De pleno acordo, Mara. Até a CNH chegar à casa do motorista noviço, a legislação do trânsito pode ter mudado e o psicotécnico vencido... coisas deste Brasil varonil. Um grande abraço!

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    1. Marcelo, numa época do instantâneo, do clique que pode tudo, arrumar uma segunda via de um documento demorar uma semana - no meu caso demorou nove dias-, é incompreensível. Obrigada pela presença.

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