quinta-feira, 19 de janeiro de 2012







Vibração com a vida


Por Pedro J. Bondaczuk


O homem introspectivo, familiarizado com suas lembranças e com suas idéias, acostumado à solidão, no limiar do autoconhecimento raramente alcançado (poucos sequer o buscam), que é "íntimo" de si mesmo, confronta-se, a cada instante, com as próprias fraquezas que o irritam e decepcionam. É alguém que conhece o caminho da perfeição, mas se vê tolhido de chegar perto dela por limitações – algumas insuperáveis – que possui. Pobre condição humana...

Sentimo-nos deuses em determinados momentos de delírio megalomaníaco (que para alguns são virtualmente constantes), abstraídos da nossa mortalidade, da nossa pequenez, da nossa pouca lucidez (quando há alguma), da nossa efemeridade. Somos apenas um entre tantos (atualmente entre mais de 7 bilhões de semelhantes), de uma determinada fração infinitesimal de tempo. E, no entanto, bem no íntimo, nos sentimos o centro do universo. Alguns, indiferentes ao papel ridículo que fazem, vivem a cada momento esse egocentrismo exacerbado. Outros, sabem disfarçá-lo. Pobre condição humana...

Estamos sempre confrontando realidade e fantasias. O doente mental é o que se deixa levar demais por esse lado fantasioso da vida. É muito difícil, senão impossível, definir um parâmetro de sanidade e de loucura. Conheço pessoas tidas como mentalmente doentes, algumas internadas em hospícios, que, no entanto, revelam mais lucidez e sabedoria do que muitos dos que me comandam. E que, sobretudo, sabem ser felizes. Talvez aí resida o que a maioria entende por "loucura". O homem teima em apostar na infelicidade.

Convivo, também, com indivíduos podres, que mereceriam ser contidos em uma camisa-de-força, e que, no entanto, posam de "gurus", de luminares do saber, de guias das novas gerações. São arrogantes, vaidosos, amorais e sem nenhum senso de piedade ou solidariedade. E são tidos por sãos, quando não por "gênios".

Fôssemos medir o grau de normalidade pelos parâmetros vigentes, todos seríamos passivos de internamento na "casa verde", da célebre história de Machado de Assis, "O Alienista". Somos todos um pouco loucos. Dyonélio Machado escreveu a propósito: "Saúde mental se define de uma maneira muito simples: é a capacidade de adaptação à realidade. A perda desta capacidade de adaptação leva às doenças mentais. Os animais não têm isso, têm uma grande capacidade de adaptação, eles se modificam para manter esta capacidade. Eles modificam até sua cor, para se adaptar à realidade".

Por este parâmetro, como se vê, somos todos um tanto pirados. Ou quase pirados. Ou totalmente pirados. Cada um que escolha a sua graduação. O homem contemporâneo vive, de fato, com os pés no chão? As regras sociais vigentes têm ao menos um mínimo de senso? É ou não é absurdo o fato de alguém se arrogar a dono de um pedaço (não importa de que tamanho) de um planeta que não construiu e que já encontrou pronto ao nascer e que vai continuar existindo bilhões de anos após a sua morte? Pobre condição humana...

E, no entanto, vale a pena viver, mesmo não atinando com a origem, o sentido e o fim dessa existência. É uma oportunidade única, de curta duração (para alguns limita-se somente a horas, quando não minutos), absolutamente imprevisível e que pouco podemos fazer para moldar à nossa feição. E ainda assim é uma experiência compensadora, mesmo que marcada pelo sofrimento e pela dor.

Há quem prefira o nada, a anulação, a inexistência, o risco do vazio, das sombras, da morte. Há pessoas que não vibram com a vida e vêem nela apenas um conjunto de sofrimentos e não um fascinante desafio que pode, é certo, nos fazer sofrer, mas também tem condições de nos trazer inefáveis satisfações, posto que efêmeras. Há quem tente abreviar o fim. Há quem pretenda que essa abreviação seja delegada a terceiros, que deteriam um poder absurdo. Há quem apregoe a eutanásia como "libertação", mesmo não sabendo o que há do "outro lado" ou se este de fato existe. Pobre condição humana...

O escritor Raduan Nassar expressa: "No fundo, no fundo mesmo, o que importa é vibrar com a vida. Me parece estar aí o ponto de partida da literatura, no que penso inteiramente diferente daquele personagem de Tonio Krueger que diz que quem morre pra vida nasce pra arte".

É exatamente ao contrário. Não vejo beleza em esqueletos, em fósseis, em restos humanos ou de qualquer animal. Não acho belos a agonia, o estertor e a extinção. Não há poesia, lirismo e nem arte no desespero, no desânimo e na morte. Estas são fraquezas inerentes à nossa pobre condição humana. Prefiro tentar imitar os deuses... Estou comprometido com a beleza... Busco, a cada segundo, vibrar com a vida.


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk

Um comentário:

  1. Eu defendo a eutanásia como libertação de quem parte e de quem fica. Estar consciente e aprisionado num corpo incapaz é um estado de morte permanente, sendo que a morte real acontece em um segundo. Espero que não tenha vida nenhuma, depois que acontecer o último suspiro. Fui mórbida, Pedro, mas seu texto não foi otimista como de costume, exceto pelo final, que o redime.

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