sábado, 21 de janeiro de 2012



Carta ao velho pai

* Por Flora Figueiredo

Não sei onde é que você está
mas eu o escuto
em todo caminho e a cada minuto.
tenho a sensação
que acabei de desatar de sua mão,
na despedida.
Guardo nos olhos
o último aceno da partida.
Trago já alguns cabelos brancos,
frutos inegáveis dos meus trancos e barrancos
em um vinco marcado
de algum lado do espelho.
Mas não esqueci o ensinamento
de pintar o mar de azul profundo
e colorir o mundo de vermelho,
a despeito da chuva e apesar do vento.
A meninada ta falando grosso
e me alvoroço
com esse começo de barba sob o queixo.
Nunca sei se nego,
nunca sei se deixo.
Tornei-me poeta,
por ser a maneira mais direta
de falar de amor.
E, por favor, entenda
que tenho amado e desamado intensamente
naquele ritmo inconsequente
dos passionais.
E não aceito reprimenda;
afinal, nem todos os amantes são iguais.
Se encontrar mamãe
no espaço reservado aos anjos,
não esqueça de contar
que estamos ficando parecidas
(o que me faz enormemente envaidecida).
Hoje é natal,
e como criança
fico procurando ansiosa uma lembrança
ao pé da chaminé.
Só que o que encontro na verdade
é um embrulho lá de não sei onde
que esconde imenso, num papel dourado
um tempo vivido e já guardado
num pacote doce de saudade"

• Poetisa, cronista, compositora e tradutora, autora de “O trem que traz a noite”, “Chão de vento”, “Calçada de verão”, “Limão Rosa”, “Amor a céu aberto” e “Florescência”; rima, ritmo e bom-humor são características da sua poesia. Deixa evidente sua intimidade com o mundo, abraçando o cotidiano com vitalidade e graça - às vezes romântica, às vezes irreverente e turbulenta. Sempre dentro de uma linguagem concisa e simples, plena de sutileza verbal, seus poemas são como um mergulho profundo nas águas da vida.

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